quarta-feira, julho 30, 2003

África

A cooperação entre amigos é como as cerejas, quando se começa não se pára. O José Vinha desafiou-me a comentar duas notícias que saíram quase em simultâneo em agências noticiosas internacionais. O seu amor a Angola e os laços que me ligam a Moçambique estão na base deste desafio. Não viro costas à conversa, mando vir duas cervejas, peço ao Zé que se sente e mãos à obra.
Mas primeiro as notícias:

"Apesar do aumento na produção de alimentos em Angola, mais de um milhão de pessoas necessitam de ajuda alimentar. Esta é uma das conclusões do levantamento feito por uma missão conjunta do Programa Alimentar Mundial (PAM) e da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação
(FAO). Peritos em produção agrícola e distribuição de alimentos advertiram que as carências alimentares da população angolana continuam a ser altas.
Apesar dos resultados favoráveis na agricultura, Angola terá ainda que importar 500 mil toneladas de cereais para poder aliviar as suas carências alimentares. De acordo com o estudo, a par da diminuição do número de
pessoas deslocadas no país, ocorreu um aumento no número de refugiados que regressam a Angola e de soldados desmobilizados que voltam aos seus locais de origem, após a assinatura do acordo de paz no ano passado”

" Luanda - Foi descoberto um novo poço de petróleo no «offshore» de Angola, anunciaram esta terça-feira a Sociedade Nacional de Combustíveis (Sonangol) e a sua associada BP. Denominado «Saturno», o poço está localizado nas águas ultraprofundas do bloco 31. De acordo um comunicado distribuído à imprensa,
citado pela Angop, o poço agora descoberto tem uma capacidade de produção diária de cinco mil barris e está localizado a nordeste do poço Plutão.
A ultima descoberta no bloco 31 ocorreu no ano passado. Este bloco foi adjudicado pela Sonangol à BP em 1999. Na qualidade de operadora, possui 26,67% de participação, tendo como parceiros a Esso Exploration, que detém 25%, a Statoil Angola, com 10%, a EPA com 50% e a Sonangol com 20%."


Antes de qualquer teoria se desenhar no horizonte aqui vai uma citação do Mia Couto, que é extraída de uma entrevista hoje publicada no Público...

"Nem os negros são especialmente bons nem especialmente maus. África não é o lugar privilegiado da poesia. O continente africano não é especialmente corrupto ou particularmente violento. A corrupção e a violência são fenómenos humanos e ganham expressão diversa de acordo com diferentes cenários históricos."

Assim sendo o que posso dizer é que África, e Angola em particular, nos habituou a ser esse território de profundos contrastes, onde a riqueza absoluta vive paredes meias com a pobreza nua e crua, e onde a luxúria convive com a aridez dos desertos.
Quem quiser saber um pouco mais do que é Angola fica o desafio para que passem os olhos por um livro belíssimo de Ruy Duarte Carvalho, "Como se o mundo não tivesse leste". Essa é a Angola dos pastores nómadas, que vivem em função das chuvas e das secas, e que sobretudo vivem martirizados desde o dia em que os arrancaram dos seus territórios, em que lhes vedam os mortos e lhes dessacralizaram a terra.
São eles, e mais ninguém, quem paga essa factura. Esse total desrespeito pela ordem natural das coisas que desde sempre regeu com sábia autoridade o mais fértil dos continentes.
O olhar do antropólogo identifica o cerne do ser angolano, esse ser tímido e temente às suas raízes.
Para perceber o que é esta disparidade lê o primeiro conto deste livro que te recomendo, um retrato de uma família de pastores a contas com os rigores de um seca, depois de afastados das suas terras pelos grandes latifundiários. De um lado da vedação tudo floresce, do outro a míngua reduz a pó a existência.

Quanto ao petróleo só te posso dizer que, um país morto de fome em que os políticos e magnatas se preocupam apenas com poços chamados Saturno e Plutão, é definitivamente um país que não vive com os pés assentes na Terra.

Zé suspira e diz como o Mia: " Sou de um país que só se torna visível por via do negativo, da desgraça, da guerra.”

A Albarda

Desafiados, os amigos, começam a responder. Desta vez é o José Vinha, jornalista do Comércio do Porto mas acima de tudo pirata radiofónico elevado à condição cooperador.
Habituado a estas coisas da cooperação lá enviou uma análise aos mamarrachos e mamarrachistas:

A propósito de mamarrachos penafidelenses, estou, globalmente, de acordo com a tua observação, mas continuo a defender o princípio de que se houver imaginação, uma rotunda ou um mamarracho podem revelar-se esfinges do tempo moderno, reflexos das sociedades eleitorais do século XXI, e até motivos de
descompressão social.
Como sabes, a albarda é símbolo bárbaro para nós, sem tradição, ao contrário das candeias que iluminaram as ruelas seculares da velha urbe penafidelense.
Mas o que é certo, é que da fama já ninguém nos livra.
Sugeria, por exemplo, que em cada rotunda fosse colocada uma albarda, ou em cada mamarracho uma fotografia do sultan Albertus - afinal o homem chegou à celestial condição de líder penafidelense pelo voto popular.
Depois de institucionalizada a ideia, e depois de aprovada pela maioria da Assembleia Municipal local, seria a vez da proeminente Profidelis instituir roteiros de contemplação a tais monumentos, divindo os romeiros pelos grupos etários conhecidos: jovens impúberes e velhinhos d'aldeia, sendo certo que cada grupo teria um guia brasileiro, que sempre "explica melhô o finómino pós-mudernista da atualidade fatual"

Meu caro Tito: Por que motivo o cidadão penafidelense não traz estampado na lapela do casaco uma albarda em miniatura? Afinal, não é ele o fiel depositário dos votos que elegem os amantes das rotundas e dos mamarrachos à suprema divindade de eleitos do povo?
Por mim, dispenso o broche (espécie de fivela de metal ou de pedraria, provida de alfinete, que as mulheres usam como jóia, para prender peças de vestuário; espécie de colchete com que se fecham livros ou pastas; colchetes para guarnecer cintos) - mas também não é motivo para deixar Milhundos e emigrar para o Inferno. Concordas?

José Vinha


Meu caro José Vinha
Se a Albarda não habita as lapelas luzidias dos teus patrícios, meus também por simpatia e osmose, já os óculos de Penafiel vão, aqui e acolá, orientando a visão para essa explosiva cultura do foguetório.
Enquanto os olhos se fixam nas alturas vendo explosões e lágrimas multi-coloridas, não reparam numa cultura mamarrachista de monumentos ao autarca, com cadeiras gigantes ou montes de pedras cujo simbolismo futuro não será o de uma qualquer coesão municipal, mas sim de um mau gosto atroz e deprimente.

A intacta variação

Quando ouço falar em "Variações de Goldberg", não consigo imaginar outra interpretação que não a de Glenn Gould. Nem por um único instante vacilo, ninguém nunca me fará ouvir outra interpretação.
Aliás minto quando digo que não vacilo, tremo e desoriento-me quando forçado a escolher entre uma das três gravações das variações por Gould.
Reconheço muito energia e vitalidade na gravação de 1955. Os 22 anos de um jovem predestinado saltam, não à vista, mas ao pavilhão auricular. Tudo é força e Primavera. Já 26 anos mais tarde, quando em 1981 Gould fez a primeira regravação da sua carreira, ouvimos umas variações mais maduras, interpretadas por um pianista que já tinha conquistado o mundo.
As "Variações de Goldberg", na minha leitura muito leiga, são uma espécie de catálogo da vida, são um breviário para uma vida banal. Entrecruzam-se dias alegras e dias tristes, momentos eufóricos e melancólicos. Há uma matriz, mas depois tudo é vida e as muitas caras que ela pode ter e não dominamos.
Nos momentos de dúvida, entre uma e outra interpretação, escolho o vivo. Viajo até Salzburgo, sento-me numa plateia rendida, e em pleno ano de 57, ouço ecoar as notas das variações, libertas das paredes do estúdio.
Variações sim, mas de uma nota só: Glenn Gould

terça-feira, julho 29, 2003

O Mamarracho

Penafiel está a poucos dias de ser uma cidade como muitas outras. Se lentamente nos fomos habituando ao surto de rotundas, e derivados, que foram sendo construídas ao longo dos últimos anos, já não nos conseguimos habituar aos projectos de monumentos e afins que se perspectivam.
Quis o destino que Penafiel entrasse para esse estranho clube das cidades com mamarrachos no meio de rotundas. paredes é o que nós sabemos, são muitos os exemplos de monumentos ao mau gosto, com temas que vão do bombeiro, à família, da universalidade e (pasme-se) ao autarca.
Penafiel não quis ficar atrás e escolheu um conhecidíssimo escultor anónimo para conceber um monumento. Para que não ficasse com a responsabilidade total sobre o resultado da brincadeira propôs que fossem os visitantes da Feira Agrícola do Vale do Sousa a votar no mamarracho. E das duas propostas os portadores de bilhete da Agrival lá votaram naquele que parecia ser do mal o menos.
Um ordenado e empilhado conjunto de blocos de pedra deverá a partir de agora simbolizar a unidade do concelho.
Como autênticas donas de casa os autarcas olham agora para as rotundas como quem olha para uma cómoda. Não descansam enquanto não está carregada de bibelot's e vidrinhos da Marinha Grande.
Vítimas dessa vontade, de ver tudo bem carregadinho de monos espalhados pela cidade, quem entrar em Penafiel, dentro em breve, dará de caras com um mastodonte de granito com uma altura desproporcional e que tornará tudo mais carregado e cinzento.
Enquanto as cidades modernas tentam abrir espaços amplos, as cidades do Vale do Sousa compram arte pública na loja dos 300.

segunda-feira, julho 28, 2003

Espaço

"Assim, uma vez por mês (trimestre, temporada, ano, ano bissexto), façam as coisas ao contrário e/ou diferentes.
Tomem o transporte de manhã em direcção oposta à do emprego. Vão trabalhar Domingo.
Acreditem que os vossos inimigos são malta fixe e digam-lhes pelo telefone…vermelho.
Comprem flores à própria mulher e encontrem-se com ela à noite naquele café escondido.
Não leiam o jornal habitual, leiam o jornal inabitual.
Refaçam a divisão das orações dos Lusíadas.
Respondam às cartas.
Cheguem à hora precisa à reunião de reestruturação.
Vão ver um filme português.
Telefonem para a televisão, que gostaram do programa.
Não definam o socialismo em liberdade, não discutam o Irão (Afeganistão) e imaginem os Jogos Olímpicos em Penafiel.
Escrevam quiser com “z”.
Andem de skate no Bairro Alto, entre o Diário Popular e o Diário de Lisboa.
Etc.
Assim, uma vez por mês (trimestre, temporada, ano, ano bissexto), façam as coisas ao contrário e/ou diferentes."

Jorge Listopad

Afinal sempre há debate

Depois de muitas tentativas lá consegui que alguém respondesse às minhas invectivas, um amigo, daqueles que por muito que nós não concordemos com quase tudo o que dizem, é do melhor que se pode encontrar na vida, disse de sua justiça:

"em relaçao à tourada acho que alguem tinha que dar explicações, se esta se viesse a
realizar, apenas tenho a acrescentar que foi a única vez que este executivo, não fazendo nada esteve em grande plano".

Jorge Baptista

Caro Jorge, sobre este assunto já nós discutimos o suficiente e já começamos a conhecer os argumentos de ambas as partes de trás para a frente. No entanto desta vez há mais do que uma simples tourada. Quando venho a terreiro defender uma tradição, e são poucas as vezes que o faço, luto com unhas e dentes pelo que considero ser um património importante para a definição do que somos como povo.
Assim o fez a autarquia, quando há um ano atrás pesquisou nos livros e documentos para garantir que a tourada tinha tradição no concelho. Digo desde já que a fundamentação nunca foi das mais forte, mas o amor à causa e à festa brava fez com que a realização de uma mão cheia de touradas no concelho em "1900 e troca o passo" se assomasse ao rol de argumentos já recolhidos.
Se me disserem que no alto da serra da estrela nunca se realizou uma tourada e por isso não há tradição, nada o impede de que ali se realize uma lide, estamos em Portugal e cá a tradição vai de Norte a Sul do país, ilhas inclusivé.
Defender com clara veemência a Festa e passado um ano fazer de conta que tal nunca existiu, não é sério. Como não será sério se a oposição vier reclamar por uma tourada, quando o ano passado tanto mal disse da iniciativa.
O Nuno Peixoto nunca poderá mudar o discurso e defender as lides. António França, depois de se ter deliciado a filmar as manifestações dos aficcionados que não puderam ver a lide, não pode reclamar a presença de João Moura e Ana Baptista.
Nem mesmo os jovenzinhos que tentaram realizar uma manifestação contra as touradas podem reclamar a vitória, porque a realização da tourada foi a única forma de os ver participar numa iniciativa penafidelense, que não meta malabarismos e cuspidores de fogo.
Para terminar, se a tourada fosse substituída por um enorme buraco, sempre ficaria no ar aquele imenso vazio que sente quando perdemos mais um pouco da nossa identidade. Mas não a Tourada foi substituída por um Rodeo, uma versão light e politicamente correcta da Festa Brava, onde em vez de touros há vacas e onde deveriam existir forcados, existem rapazes marcados pelo Bonanza e John Wayne.
Por isto tudo Jorge eu acho que todos nós, mesmo não gostando da Festa, merecíamos uma explicação.

domingo, julho 27, 2003

Tourada e Tradição: uma farpa.

Estamos a menos de um mês do arranque da Agrival, Feira Agrícola do Vale do Sousa, que leva já mais de uma vintena de anos de existência.
Entorpecida por ter habitado em casa alheia e sem condições para se mostrar, a exposição ganhou, com a transferência para o novíssimo pavilhão de feiras e exposições, um novo fôlego.
Prova disso foi o arranque de um ainda pequeno espaço de fruição gastronómica e o regresso da tourada a Penafiel.
O ano passado foi difícil vender a ideia de que a tourada era uma tradição com raízes em Penafiel, a autarquia empenhou-se em mostrar que a tourada se movia com à vontade por aquelas bandas.
Eu, aficcionado convicto e circunspecto, rejubilei com a ideia, Penafiel abraçava uma das mais nobres e bonitas tradições lusas, e mesmo que não tivesse a tradição da Moita ou do Montijo, enquanto naco de território português é também terra com tradição tauromáquica.
No dia da celebração taurina foram muitos os que ficaram do lado de fora da praça de touros com bilhete na mão e sem lugar para ver o espectáculo. Era gente para encher a praça duas vezes. E nem a meia dúzia de jovens de esquerda, que sistemáticamente se alheiam da actividade do concelho, e se manifestaram titubeantemente frente à praça refreou o ânimo da "aficción".
Perante este cenário, seria de esperar que este ano a festa brava marcasse presença em Penafiel. Mas não. Sem explicação até ao momento a anunciada tradição da tourada penafidelense morreu no segundo ano. Ao que sei será substituída por um Rodeo, um espectáculo tipicamente português.
"É a globalização, estúpido!", dirão alguns dos meus amigos, mas não me conformo com a morte da arena, com a negação da lusitanidade e uma estocada, na tão propalada, penafidelidade.
Há decisões que precisam de ser muito bem explicadas, esta é uma delas. A explicação que seja mesmo boa porque este derrote não se deixa enganar com verónicas e cincquelinas.

sábado, julho 26, 2003

Exportamos Avós

Hoje é o dia dos Avós. Para quem não sabe trata-se de uma invenção penafidelense, uma daquelas invenções que não tarda nada serão universais e toda a gente se esquecerá de onde ela partiu.
Ana Elisa é o nome da avó que, num acto quase "bloguista" ou "umbiguista", se lembrou que era menina para merecer um dia só dela, daqueles dias em que as televisões e os mimos correm todos na sua direcção. 16 anos depois aí está o Dia dos Avós com letra grande e "Praça da Alegria".
Nos jardins da igreja do Sameiro os avós de Penafiel juntaram-se para dançar um tango e uma valsa.
Olho para eles e assalta-me a dúvida: em que é que estes avós são diferentes dos outros?
Os avós do campo são muito mais saudáveis do que o avós da cidade. São rijos, levantam-se cedo, trabalham no duro e só param para dançar no dia dos avós e na feira de S. Martinho.
Os avós de Penafiel não passam o dia a roçar o rabo pelos bancos de jardim. Os avós de Penafiel tratam do campo, dão de comer às galinhas e ainda aturam a porcaria dos netos que não param quietos.
Os avós de Penafiel duram mais tempo, são alimentados a caldo de hortos e a galinhas da casa.
Os avós de Penafiel são definitivamente o que de melhor temos para exportar, são tão duros como o granito e tão frescos como o vinho verde.
Os avós de Penafiel vão fazer sempre parte do meu imaginário, eles são, para um ateu, a explicação do mundo e de tudo quanto ele encerra de inexplicável.
A minha avó, não sendo de Penafiel, guarda nela, com a força que as 8 décadas lhe reservaram, tudo quanto sou e ainda vou ser.

sexta-feira, julho 25, 2003

Sexta-feira...eles andam aí

Não é raro ler ou ouvir dizer que uma parte da nacional iliteracia se deve à comunicação social que temos.
Se em termos nacionais, aqui e acolá, a gramática é vítima de violência doméstica, no universo da imprensa regional é arrepiante o panorama.
Uma curta viagem pelo universo da profunda imprensa local é uma espécie de serão na feira popular, animado pelo Nicolau Breyner.
A noção de que a gramática é um país distante é constante.
Frases sem sujeito, sem verbo ou com atropelos às mais elementares regras de concordância são comuns.
Associada à deficiente utilização da língua portuguesa soma-se a manifesta dificuldade em destrinçar o que é passível de ser notícia e o que nunca na vida será notícia.
Considero que Portugal precisa de uma forte imprensa local, mas forte não significa pejada de títulos e quilos de papel.
Será possível que uma região com meio milhão de habitantes tenha quase uma vintena de títulos e nenhum deles de referência
É fundamental a redução do número de publicações. Na sua maioria os jornais locais possuem um universo demasiado residual e que deveria ser concentrado num projecto mais alargado.
Jornais locais que existem para dar corpo a projectos pessoais, com objectivos políticos ou sociais, são terrivelmente comuns. Sobrevivem ora com publicidade das autarquias, ora com os editais dos tribunais, porque o comércio e a indústria não vê nestes projectos uma forma credível de dar visibilidade aos seus produtos, nem lhes reconhece uma difusão alargada.
Os maus blogues já chegaram a Portugal há muito tempo, mas são de papel e distribuem-se nesse interior “desquecido e ostracizado”.
Está lá tudo: gente que acha que tem muito para dizer (mas ninguém a ouve), gente que se considera detentora de uma verdade insofismável e, sobretudo, um olhar cheio de vertigens ante a profundidade do umbigo.

As Sardinheiras, Rui!!!



Nas tardes de ócio conversamos e as sardinheiras deslizam, coradas, das varandas para ouvir a nossa voz.

quinta-feira, julho 24, 2003

O ídolo

Está de regresso o circo do futebol. O Vale do Sousa não é excepção a esta regra nacional, mas este ano o circo vem mais animado.
António Oliveira nado e criado na cidade de Penafiel decidiu regressar ao futebol, depois da malfadada operação Coreia, como presidente do FC Penafiel.
Para um clube que se transformou numa espécie de Sporting da II Liga, em que ano após ano se repete a frase "este ano é que é", a ascensão de António Oliveira a presidente do clube tem uma dimensão muito portuguesa.
Estamos perante uma reedição de um mito muito nosso, o "mito do D. Sebastião". Perdidos no nevoeiro tanto tempo olhamos para um dos melhores jogadores portugueses de todos os tempos como a derradeira oportunidade. Um jornal local dirigido por um amigo pessoal titulava a tomada de posse de Oliveira como "O regresso do desejado".
Nada espelha melhor o sentimento que atravessa associados e adeptos do clube. O "toninho é a luz ao fundo túnel", garantem alguns dos mais velhos que ainda se lembram das fintas com que estocou de morte o Porto num célebre campeonato.
Há no entanto que colocar os pés bem assentes na terra, afinal D. Sebastião nunca chegou a sair do nevoeiro, apesar de muitos terem garantido que o tinham visto e outros tantos terem profetizado o seu regresso triunfal.
Neste momento os penafidelenses não podem ficar a "adorar o menino", está na hora parar e aprender para que não se repitam os mesmos erros.
O futuro de Oliveira não vai passar por Penafiel, há homens que por muito que digam que estão mortos fazem questão de renascer e cada vez com mais força. Veremos

quarta-feira, julho 23, 2003

Vale do Sousa

De hora avante e para o futuro irei de quando em vez dedicar uns quantos posts a uma região bem engraçada deste nosso Norte profundo.
Encravado entre o Porto e Vila Real, naquele território de ninguém entre o Minho, Douro Litoral e Trás-os-Montes, o Vale do Sousa é um espaço que reúne 6 concelhos: Penafiel, Paredes, Felgueiras, Lousada, Paços de Ferreira e Castelo de Paiva.
Como dá para perceber neste curioso enclave há de tudo. Há pontes que caem, há quem caia no Francisco Assis, Há quem caia no Rio (de Janeiro) e há muito quem caia em desespero por viver na segunda região mais pobre do país.
Conhecidos na Europa por terem a maior concentração de Ferraris por metro quadrado, os habitantes do Vale do Sousa ainda não se aperceberam que estão na cauda da cauda da Europa. Se é que a Europa já cá chegou?
Ao longo dos próximos tempos tentarei mostrar, e discutir com quem entender, o porquê dessa pobreza e como ela se manifesta no dia-a-dia.
Para amenizar o panorama colocarei umas fotos bem bonitas de uma região por descobrir para muita gente. As duas faces da moeda se revelarão, conforme os ditames do destino e o humor do bloguista.

Não brinquem com o nosso dinheiro

O dia de hoje começou muito cedo, batiam as cinco da manhã no meu despertador electrónico quando de um salto enfrentei o lusco-fusco e me fiz à estrada.
Viajava eu entre a cidade invicta e a capital quando sintonizo um programa da Antena 3 chamado prova oral.
Reconheci de imediato as vozes e esboçei o gesto de mudança de estação (onde está o terço da Renascença?), quando me apercebi das pérolas que desprendiam da telefonia.
Fernando Alvim, Nuno Calado e a mais recente contratação, Rita Mendes desfiavam intensos e profundos pensamentos sobre a "Monarquia".
Segundo a douta rapariga a implantação da República aconteceu em 1905. Mas as elocubrações foram ainda mais longe. Segundo a ex-apresentadora do Portugal Radical não faz sentido neste momento estar a discutir se devemos "escolher entre a Monarquia e a Democracia".
Segundo esta menina países como a Espanha, Suécia, Inglaterra, etc... vivem em profunda ditadura bem longe dos conceitos de liberdade democrática.
Depois uns patetas alegres ligam para o referido programa para dizerem se concordam ou não com a monarquia, como não há muito naquelas cabeças que possa sair sobre o tema, lá salta uma pergunta do Alvim: "preferias comer uma raínha ou uma princesa?".
Tudo isto não me espantou, as televisões e as rádios, há muito, foram ocupadas por estes registos e alegremente a populaça vai batendo palmas e urrando de alegria. Mas numa estação de rádio pública, que não tem publicidade, vive portanto do nosso dinheiro, não posso admitir essa opção.
Concordo que a rádio pública sirva para experiências e inovação no desenvolvimento de conteúdos radiofónicos mais contemporâneos, como o deverá fazer a televisão. Agora pagar a três estarolas para dizer barbaridades durante uma hora é uma aberração.
O humor inteligente tem lugar na Antena 3, e a manhã tem vários exemplos desse registo, mas brincar com o nosso dinheiro num registo boçal, NÃO!!

terça-feira, julho 22, 2003

É o abismo, oh pá!!

Ao ler a crónica de Arnaldo Jabor no Globo percebemos que mais do que países irmãos, Portugal e o Brasil, são países gémeos. Que parecidos que estamos. Já agora, encontramo-nos no abismo do costume.

Eu já não espero mesmo nada!!!



Foto: Mikel Urmeneta

"Oh Martins eu destes já não espero mesmo nada!!!!"

Eu já espero tudo

O jornal Público, de hoje, tem publicada uma carta do senhor ministro do Negócios Estrangeiros que arranca neste registo:

"Do jornal que V. Exa dirige, e de V. Exa, eu já não espero nada. Os exemplos de omissões, informação desvirtuada ou notícias truncadas são abundantes, e quase diários, no que se refere à política externa portuguesa e ao ministério de que tenho a responsabilidade. Até faltas de ética profissional, com V. Exa a publicar trechos de conversas privadas que tínhamos tido antes de eu desempenhar as actuais funções."

Sejam bem-vindos à comédia da vida real!
Isto sim é diplomacia, pelo menos à portuguesa.

segunda-feira, julho 21, 2003

Mulheres de Portugal defendam vossos direitos



E há muito Vilhena!!!!!

Umbigo

É conhecida a acusação do carácter umbiguista da blogosfera, que olhamos só para o umbigo e que nele nos perdemos.
Eu assumo que olho muito para a Umbigo. Não, não é erro. É mesmo a Umbigo. Revista do corpo para a mente.
A arte do corpo e da mente numa fusão contemporânea. Este trimestre a Umbigo concentra o nosso olhar nos Cramps, na anaïs nin e no Francis Bacon. Ah, não me posso esquecer que também tem Vilhena, José Vilhena.
Ora vamos lá para de olhar para o umbigo e passar a olhar para a Umbigo, com letra maiúscula.

Mais do que um objecto

O Abrupto continua a sua recolha de objectos perdidos ao longo dos tempos, pequenos nadas que fizeram todo o sentido e uma falta imensa.
Eu lembrei-me de um objecto, aliás mais do que um objecto, uma atitude.
"O pente religiosamente guadado no bolso de trás das calças".
Os homens já não guardam, junto das cautelas, o pente. Já não fazem aquele gesto firme de colocar em ordem o cabelo, acompanhado pela suavidade da mão, que suada conferia aquele estrutura una e circunspecta.
Os homens já não param à porta das repartições públicas, dos consultórios, dos cafés, a olhar para um vidro e a desenhar a regra e esquadro a risca ao lado.
O pente, naquele plástico matizado de castanho, morreu.
Eu próprio já não me penteio vai para uma vintena de anos.
A última vez que penteei foi no dia da comunhão solene.
Hoje junto à Estação de S. Bento já não se vendem pentes, hoje à porta da "Adega do olho" já ninguém se penteia, amanhã entre uma e outra sande de presunto, no "Louro", ninguém tirará o seu pente e será mais homem.
Hoje quando saio à noite e vejo os rapazinhos que habitam o estado novo, com a melena cuidadosamente despenteada à frente dos olhos, juro que rezo para que entre um qualquer paquistanês e que em vez de rosas traga na mão um bouquet de pentes para guardar no bolso de trás das calças.

La Dolce Vita


Em dias de calor, como este, nada me refresca mais do que Anita Ekberg

domingo, julho 20, 2003

É uma questão de mentalização, ou talvez não...

Amanhã é segunda-feira!

Estou mais pobre

Pedro Mexia já não escreve as suas ressenções no DNa, ao que parece porque não reflectiam a "actualidade" pretendida por Pedro Rolo Duarte. Está irremediavelmente mais pobre o suplemento do DN (reflectindo melhor quem o dirige), mas estamos nós também mais pobres. Resta a Geração de 70. Não está tudo perdido.

Convívio

Este fim de semana uma concelhia do PS reuniu os jornalistas num almoço de convívio, para mostrar quanto unidos estão e que disponíveis se encontram para colaborar.
A colaboração chegou com a sobremesa através de algumas lições epistolares sobre a "Arte de bem fazer jornalismo socialissímamente correcto". A união esteve bem à vista nos discursos.
Eu admito. Gosto destes almoços. Sobretudo quando se arrumam os jornalistas e os políticos em alas bem delimitadas e separadas como manda a regra. Conviver sim, mas cada um no seu lugar.

Se

"Se consegues manter a calma
quando à tua volta todos a perdem
e te culpam por isso.

Se consegues ter confiança em ti
quando todos duvidam de ti
e aceitas as suas dúvidas
......

Se consegues falar para multidões
e permaneceres com as tuas virtudes
ou andares entre reis e pobres
e agires naturalmente

Se nem inimigos
ou amigos queridos
te conseguirem ofender

Se todas as pessoas contam contigo
mas nenhuma demasiado

Se consegues preencher cada minuto
dando valor
a todos os segundos que passam

Tua é a Terra
e tudo o que nela existe
e mais ainda,
tu serás um Homem, meu filho!"

Rudyard Kipling

Prémio Jornalismo de Investigação

Há uma senhora na TVI que reclama que o marido, ou ex-marido, lhe deu um estalo. (Há males que chegam indubitavelmente por bem, alguém viu uma galheta que se tenha perdido no chão?)

sábado, julho 19, 2003

Mais do que um país, uma obra-prima

Ouço e leio constantemente sobre o nosso país que os cenários são: ora dantescos, ora surrealistas.
É bom saber que se vive numa obra-prima. Ter o prazer de ver os tribunais pejados de relógios derretidos e ver uma ministra onde tudo se arruma em gavetas ao longo do corpo.
Eu gosto de viver num Purgatório, equilibrado entre a atracção do Inferno e a certeza de que pode ser um Paraíso.
Que belo que é o meu país neste seu eterno canibalismo outonal.

sexta-feira, julho 18, 2003

Lusofonia e Identidade

No Hipatia a Blue Velvet diz que não há conceito que mais a irrite do que o de lusofonia, o José Eduardo Agualusa é da mesma opinião. Eu não. Gosto deste sentimento de comunidade, gosto do português tropical, gosto do português negro e açucarado, gosto de me sentir ligado a outros continentes pela voz.
Há na lusofonia esse estranho sentimento de "Identidade", como cantava Rui Knopfli:

"Europeu, me dizem.
Eivam-me de literatura e doutrina
europeias
e europeu me chamam.

Não sei se o que escrevo tem a raiz de algum
pensamento europeu.
É provável... Não. É certo,
mas africano sou.
Pulsa-me o coração ao ritmo dolente
desta luz e deste quebranto.
Trago no sangue uma amplidão
de coordenadas geográficas e mar Índico.
Rosas não me dizem nada,
caso-me mais à agrura das micaias
e ao silêncio longo e roxo das tardes
com gritos de aves estranhas.

Chamais-me europeu? Pronto, calo-me.
Mas dentro de mim há savanas de aridez
e planuras sem fim
com longos rios langues e sinuosos,
uma fita de fumo vertical,
um negro e uma viola estalando."


Razzle Dazzle

Na solidão do meu esquife vogo lentamente contemplando o teu brilho. Não conheço a baía de S. Francisco, mas adivinho os seus bancos e marés. Sou pirata de ostras, assalto viveiros e com as mãos gretadas cravo a lâmina com que te resgato do fundo do mar. Com a certeza dos movimentos, mentalmente ensaiados, abri tua concha, sorvi-te delicadamente e guardei o teu sabor. Descerraste as pálpebras e eram de madrepérola os teus olhos.

Jack London

Hoje quando ninguém der por nada Jack London estará a rasgar o seu bilhete e a entrar em Vilar do Mouros.
Hoje quando a poeira subir e os doces aromas norte-africanos se espalharem no ar ele estará encostado a um bar de copo na mão, não porque goste, mas porque a acessibilidade fez com que se apaixonasse por John Barleycorn.
Nesse instante só ele verá e ouvirá Robert Burns cantar no palco Tam O' Shanter:


"Inspiring bold John Barleycorn!
What dangers thou canst make us scorn!
Wi' tippeny, we fear nae evil;
Wi' usquabae, we'll face the devil!--
The swats sae ream'd in Tammie's noddle,
Fair play, he car'd na deils a boddle.
But Maggie stood, right sair astonish'd,
Till, by the heel and hand admonish'd,
She ventured forward on the light;
And, wow! Tam saw an unco sight "

Aquele Abraço

O Manuel Jorge Marmelo e o Cerco do Porto mencionaram este novo blogador com palavras que só podem ser retribuídas com um pouco de Gil: "Aquele Abraço".

quinta-feira, julho 17, 2003

A coligação do nem mal, nem bem, muito antes pelo contrário

Neste momento cresce nos gabinetes diplomáticos da África negra mais uma coligação com objectivos de guerra. Tendo por cenário o golpe de estado de S. Tomé e Princípe, as diplomacias de Moçambique e Nigéria estudam a hipótese de desencadearem uma ofensiva militar. A coligação já tem nome: "A Fome e a Vontade de Comer (o petróleo de S. Tomé)", e operação já foi baptizada de "Tempestade num rochedo no meio do Atlântico, algures no Equador". Os "Bicos de Lacre" de Guerra (já que os falcões são coisa Europeia), já alertaram: "A coisa está preta".

O debate

Segundo Manuel Jorge Marmelo a irmã do jardel gostava de ser jornalista, e o seu exemplo na profissão é Herman José. Na linha da frente do jornalismo teremos com certeza na noite do próximo Domingo um debate entre Jordana e o emplastro sobre "Os malefícios da bebida, associados a um incontrolável desejo de jogar no casino, na vida de um atleta".

Txupinazo

Recortada ficas diante do sol, no exacto momento em que o rubro vinho te pinta os lábios. Ao fundo o matador cumpre a promessa e o destino do touro. Espesso, quente e vivo assim é o sangue que agora jorra e o desejo que me cravas nos olhos.

A Brava Festa

Este é o momento do ano em que o sol e a sombra delimitam o mais belo espectáculo português.
Este é o momento em que nos enternecemos diante de uma verónica bem feita.
Este é o momento em que entontecemos diante de uma voluptuosa cinquelina.
Podemos não ter a Bo Derek cavalgando nua no Campo pequeno, mas não me digam que não tremem ante a escola de Ana Baptista.
Hoje, como ontem, eu vou fazer Festa Brava.

A perdição do humor

Habituados às inenarráveis entrevistas de Herman José, espiolhando doenças e vencimentos de vedetas, proto-vedetas e outras que tais, os portugueses já não se chocam com a utilização de um deficiente como meio de humor.
Herman já nos habituou a um triste facilitismo, de quem sente que não tem concorrência. Mas tem.
Tudo neste momento é mais interessante do que dois minutos de Herman Sic, tudo hoje é bem estimulante e desafiador do que o Herman Sic. Hoje até as entrevistas de Alberta Marques Fernandes no Jornal 2 estão bem mais próximas de Phyton e companhia, do que os famigerados sketches do loiro galopante.
Hoje uma entrevista de Ferro ou um jogo do benfica tratam melhor esse belíssimo género que é o humor non-sense, do que um qualquer exercício de graça de Herman José.
Tal como o escriba do Dicionário do Diabo também eu desisti de ver televisão. Prefiro o mítico Emplastro Leão a um qualquer Emplastro José.

quarta-feira, julho 16, 2003

Referências

Moldado com uma Coluna Infame me assumo como discípulo do demo e sua bíblia, Dicionário do Diabo,seguirá debaixo do braço.
Somos óptimos colonizadores. Lá como cá ninguém se entende.
Tivéssemos nós a quente força dos trópicos e também nós estávamos agora em golpe de estado.
Por cá as revoltas são afogadas num burgunder cheio de Luís Pato e o vermelho da revolução não passa de um tinto rubor.
Uns negoceiam com exércitos de taxistas, outros com juntas de salvação nacional.
Uns não gostam do Fradique e do Kumba, outros do Ferro.
Eu acho graça ao barrete encarnado.
Agora percebo que Luís Bernardo tenha hesitado em partir e habitar essa linha que, mais do que unir, separa os hemisférios.
O Equador vive tempos de revolta e nada substitui o quente afago do peito de Matilde.

Dá-me a tua mão:
Vou agora te contar
como entrei no inexpressivo
que sempre foi a minha busca cega e secreta.
De como entrei
naquilo que existe entre o número um e o número dois,
de como vi a linha de mistério e fogo,
e que é linha sub-reptícia.

Entre duas notas de música existe uma nota,
entre dois fatos existe um fato,
entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam
existe um intervalo de espaço,
existe um sentir que é entre o sentir
- nos interstícios da matéria primordial
está a linha de mistério e fogo
que é a respiração do mundo,
e a respiração contínua do mundo
é aquilo que ouvimos
e chamamos de silêncio.

Clarice Lispector