quinta-feira, agosto 14, 2003

Um dos meus mais francos amigos, daqueles que se fazem sem saber bem como e que guardo com mil cuidados, voltou a questionar-me sobre as touradas e sobre a sua suposta saúde ou morte anunciada.
O Jorge, assim como várias outras pessoas, não me perdoa esta aficcion. Sendo assim lá enviou mais uns mails ainda na sequência do meu inconformismo em relação à substituição da Tourada, em Penafiel, por uma versão "amaricada" ou americana da Festa Brava, chamada Rodeo.

" Não te parece que se realmente esse espectáculo pré-historico que tanto defendes fosse tão concorrido a " praça de touros de Lisboa " não estaria naquele estado degradante. Se fosse lucrativo não tenhas a mínima dúvida que já tinham pegado naquilo. São estas pequenas coisas que me levam a pensar que
este paí­s sempre evolui, se bem que aquele espaço dava um excelente palco para bons concertos. "

" Ainda no que diz respeito aquela questão dos " toiros ", uma coisa que me faz bastante confusão é como que havendo tantos adeptos da farpa o Campo Pequeno está naquele estado e partindo do princípio que já tens resposta pronta pra isso, não te esqueças que a esmagadora maioria das praças de touros deste país ou estão abandonadas ou num estado de conservação miserável (já nem falo na comodidade). "


Jorge Baptista

Vamos lá pensar nesta questão de uma forma suficientemente abrangente.
Jorge conheces tão bem ou melhor do que eu o Estádio Municipal 25 de Abril, em Penafiel, como ele estão muitas centenas de outros estádios e campos de futebol por esse país fora, será isso sinónimo da falta de amor pelo Futebol? Não creio.
O miserabilismo de muitos dos estádios portugueses nada fica a dever às condições das praças de touros.
Quanto ao conforto, estão igualmente de mãos dadas os dois tipos de recintos. Porém as praças de touros levam uma enorme vantagem quando falamos de segurança. Já alguma vez ouviste falar em hooligans no Cartaxo e na Moita? Já alguma vez ouviste falar de confrontos entre a claque do João Moura com a do Pedrito de Portugal?
Na cidade onde vivi toda a minha infância, o Porto, conheci cinco salas de cinema até aos 11 anos. Morreram todas. Alguém se lembra do Águia D'Ouro, do Cinema Vale Formoso, do Cinema do Terço?? O S. João e o Rivoli ainda foram a tempo de serem recuperados e são hoje belíssimas salas de espectáculos, outros nem por isso. Onde está o cinema Batalha, a Sala Bébé, o Trindade, o Foco, o Charlot??? Será isto sinónimo de falta de entusiasmo em torno da sétima arte?? Não creio.
Tem de existir apoio ao desenvolvimento dos espectáculos, o Estado e as autarquias não os devem pagar, mas devem apoiar o seu desenvolvimento e promoção. Como? Agrupando actividades semelhantes em grandes eventos que possibilitem uma maior visibilidade a cada um dos seus módulos. O problema não é a actividade cultural ser pequena, é estar sozinha.
É necessário que as autarquias apoiem os espectáculos tauromáquicos, chamando-os a participar em iniciativas como a Agrival, cedendo espaço e promovendo o espectáculo.
Se todas as autarquias se demitirem desse apoio, ao que de mais português ainda vamos conservando, mais dia, menos dia, seremos uma minoria. Porque, quer gostem ou não, neste momento somos uma imensa maioria de aficcionados. Cada vez que se realiza uma corrida em Penafiel, Paredes ou Lousada as praças esgotam. Os mesmo é extensível a várias cidades de Norte a Sul do país.
Neste momento só não temos os estádios de futebol como o Campo Pequeno porque se lembraram desse expediente chamado Euro 2004.
Não te preocupes com o Campo Pequeno e as condições em que assistimos às corridas, atrás de tabiques ou sentado numa grade de cerveja estarei sempre na primeira linha de defesa da Festa.
A minha preocupação neste momento volta-se mais para um país que gastou milhões num estádio em Faro que vai servir para uma equipa dos distritais, que já avisou que não tem dinheiro para o sustentar.
O que me preocupa é que a tua cidade não tenha uma sala de espectáculos, e mesmo assim mantenha um festival de teatro e se prepare para dar á luz outro.
O que me preocupa é que na cidade onde agora vivo exista uma Casa da Cultura, que promove a cultura do vazio. Um espaço que só se abre para dois ou três espectáculos de gosto duvidoso (muitas vezes) inseridos num bafiento encontro de artistas do Vale do Sousa a que pomposamente chamam Encontr'artes.
O que me preocupa é que esses arautos da cultura emitem bilhetes para espectáculos caríssimos, para serem distribuídos gratuitamente por uma falange de amiguinhos.
O que me preocupa é que quem quer ver o espectáculo, porque gosta da manifestação cultural em causa, receba um rotundo NÃO PODE ENTRAR, para depois chegarmos à conclusão que os convidados não apareceram e a sala ficou a meio vazia.

Isso preocupa-me e a ti também.
A Festa continuará a ser isso mesmo uma FESTA e não há morte anunciada que nos desanime ou refreie
Seguimos lutando.

terça-feira, agosto 12, 2003

A irritação fácil

O Nuno Simas no Glória Fácil avançou com uma das suas primeiras irritações. Aliás uma quente e bem presente irritação, já que se prende com um pretenso discurso políticamente correcto sobre a questão dos incêndios.
Eu considero que tem de existir alguma ponderação na análise do sucedido. Num momento em que as matas ainda ardem, em que há populações vulneráveis às chamas, o circo político não pode chamar a si as atenções. Os ministros, os secretários de estado e entidades competentes precisam de estar concentrados no que ainda há para fazer no terreno. Este não é o momento exacto para o governo se explicar aos grupos parlamentares da oposição e ao país. Neste momento o que eu espero do governo, não são palavras, mas acções concretas no terreno.
Espero que o governo se preocupe com quem, neste momento, se sente desprotegido e apoie quem já está de mangas arregaçadas para reconstruir a vida.
Este é o momento para agir, não para exercitar dotes retóricos, para atirar com culpas, para lavar roupa suja, nem para cuspir para o ar ou assobiar para o lado.
Mas o momento das explicações tem de chegar e breve, agora não em plena crise.
Quanto aos meios, alegadamente, insuficientes, tenho por convicção que não podemos avaliar da sua capacidade de resposta face a uma situação de excepção.
Ainda o ano passado a Austrália, cujo orçamento e poder económico em nada se pode comparar com o de Portugal, viveu uma situação de excepção para a qual nenhum país no mundo está preparado.
As excepções são assim, acontecem e nunca ninguém está preparado.
Não acho que devamos comprar aviões e helicópteros de combate aos incêndios que no futuro não terão utilização.
Não acho que devamos profissionalizar os bombeiros de Norte a Sul do país, criando vagas e desenvolvendo equipas que não serão operacionais.
Temos a capacidade de resposta necessária para uma gestão corrente.
Devemos melhorar os equipamentos, concordo.
Devemos criar melhores condições aos bombeiros, concordo.
Agora não concordo com a necessidade de dimensionar um corpo de combate aos incêndios em função de uma situação de excepção.
Fala-se muito nos famosos submarinos, mas a marinha só vai comprar dois. Vai comprar submarinos à escala das necessidades de formação exigidas a um país com uma costa como a nossa.
Se um dia tivermos uma excepção e nos declararem guerra, dois submarinos não chegam, mas não é por isso que vamos a correr comprar um dúzia.
Não vamos virar albaneses e construir bunkers para protecção de uma invasão imaginária.

Criatividade

Já agora uma sugestão para a organização do evento felgueirense, porque não mudar o nome do prémio. Convenhamos que "Sapato Criativo" não é o paradigma da imaginação.
Porque não avançam para algo mais avant-garde do tipo "Corda nos Sapatos" ou o "Patim Azul".
É uma sugestão.

A pouca vergonha

Ontem, quando passava os olhos pelo Jornal de Notícias, dei de caras com uma daquelas notícias que nos deixa perceber quanto o nosso país é pobre, triste e podre.
Tudo se passou nesse reino, de lusa fantasia, chamado Felgueiras.
Na noite de Sàbado a autarquia em estreita ligação com a Escola Profissional de Calçado de Felgueiras levou a cabo um desfile de jovens estilistas de calçado.
Em causa estava a entrega de um prémio intitulado "Sapato Criativo".
O certame, ao que rezam as crónicas, foi apresentado por uma jovem que por coincidência se chama Felgueiras, trabalha na RTP e tem a mãe (outrora autarca daquele concelho) no Brasil.
Coincidências à parte, a cerimónia serviu para demonstrar toda a pujança de um sector vital da exportação portuguesa.
O final teria pois que ser apoteótico. Para isso recorreu a organização a um modelo já ali experimentado, e que se traduziu na apresentação de um vestido de noiva bordado pelo engenho das mãos que trabalham na Casa do Risco e dela fazem uma referência no norte do país.
Só que, e aqui está o que faz desta estória a verdadeira delícia, este ano o vestido de noiva não foi envergado pela modelo do ano passado.
Fátima Felgueiras, que por certo andará a passar outro tipo de modelito em Copacabana e que por pouco escapou a um muito português fatinho branco às riscas pretas, não desfilou o modelito de noiva.
A substituta, Diana Pereira, não deu ao momento o ar farto de demagogia e aquele inconfundível ar impenetrável, bem patente num penteado à Imelda Marcos.
Estava o público já em extase, ante a beleza do bordado e da noiva (este ano bem mais jovem e virginal), quando a apresentadora pediu "um forte aplauso para a outra pessoa que no ano passado desfilou com esse vestido...".
É assim que vai o nosso país.
No ar ficou aquela furiosa salva de palmas, tão furiosa como os cascudos que ficaram por dar em Francisco Assis, tão furiosa como a estupidez que nos vai varrendo e dirigindo uma região que apesar de ter uma indústria pujante, continua a ser a segunda NUTT mais pobre do país.
Porque ser rico não é ter uma casa no Leblon ou Copacabana, ser rico não é ter o concelho da Europa com a maior concentração de Ferraris por quilómetro quadrado.
Ser rico é ter a capacidade de corar de vergonha ante estas manifestações terceiro-mundistas.
O destino, para quem acredita, tem uma sabedoria curiosa. Talvez por isso mesmo o vencedor do certame de Felgueiras tenha ganho com uma bota-sandália, um compromisso entre o rigor climatérico do norte de Portugal e a genorisade solar do Rio de Janeiro. Tudo em pele de Avestruz, material que, bem vistas as coisas, não será difícil de encontrar em Felgueiras.

segunda-feira, agosto 11, 2003

A Noite Branca chegou




Gregory Hines
1946 - 2003

domingo, agosto 10, 2003

A glória da discórdia

Já aqui, neste blog, falei da Maria José Oliveira a propósito das sua crónicas sobre a blogosfera.
Já aqui falei sobre as discussões que travamos durante os anos em que estudamos juntos.
Nunca disse que, no fundo, acreditava que ela cedesse aos encantos da bloguística e começasse a mandar as suas "postas" de pescada.
Estou certo que o Glória Fácil nos vai animar este verão e estações seguintes. Pela minha parte não desarmo e prometo discutir com a Maria Jósé as vezes que forem necessárias, até porque as saudades já apertam.
Sê muito bem vinda, tu e os teus.

sábado, agosto 09, 2003

Parabéns!!!!!

Em todas as ruas...

"Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto, tão perto, tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura

Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco. "

Mário de Cesariny de Vasconcelos


sexta-feira, agosto 08, 2003

O Popular

"Um número recente da revista Veja trazia fotografias sensacionais das (como diria um inglês) "incomodações" na Irlanda do Norte. Todas eram de ganhar prémio, mas uma me impressionou especialmente. Nela aparecia a versão irlandesa do Popular.

É uma figura que sempre me intrigou. A foto da Veja mostra um soldado inglês espichado na calçada, protegido pela quina de um prédio, o rosto tapado por uma máscara de gás, fazendo pontaria contra um franco-atirador local. Atrás dele, agachados no vão de uma porta, dois ou três dos seus companheiros, também em plena parafernália de guerra, esperam tensamente para entrar no tiroteio. Há fumaça por todos os lados, um clima de medo e drama. Mas ao lado do soldado que atira, em primeiro plano, está o Popular. De pé, olhando com algum interesse o que se passa, com as mãos nos bolsos e um embrulho embaixo do braço. O Popular foi no armazém e na volta parou para ver a guerra.

Sempre pensei que o Popular fosse uma figura exclusivamente brasileira. Nas nossas incomodações polí­ticas, no tempo em que ainda havia polí­tica no Brasil, o Popular não perdia uma. Os jornais mostravam tanques na Cinelândia protegidos por soldados de baioneta calada e lá estava o Popular, com um embrulho embaixo do braço, examinando as correias de um dos tanques. Pancadaria na Avenida. Corria polícia, corria manifestante, corria todo mundo, menos o Popular. O Popular assistia. Cheguei a imaginar, certa vez, uma série de cartuns em que o Popular apareceria assistindo ao Descobrimento do Brasil, à  Primeira Missa, ao Grito da Independência, à  Proclamação da República... Sempre com seu embrulho embaixo do braço. E de camisa esporte clara para fora das calças (o Popular irlandês veste terno e sobretudo contra o frio, o Popular tropical é muito mais Popular).

NÃo se deve confundir o Popular com o Transeunte, também conhecido como o Passante. O Transeunte ou Passante às vezes leva uma bala perdida, o Popular nunca. O Transeunte às vezes vai preso por engano, o Popular é o que fica assistindo à  sua prisão. O Transeunte, não raro, se compromete com os acontecimentos. Aplaude o visitante ilustre que passa, por exemplo. O Popular fica com as mãos no bolso e quase sempre presta mais atenção ao motociclo dos batedores do que à figura ilustre. O Transeunte pode se entusiasmar momentaneamente com uma frase de comí­cio ou um drama na rua, e aí­ o Popular é o que fica olhando o Transeunte.

O Popular não tem opinião sobre as coisas. Quando o rádio ou a televisão resolvem ouvir "a opinião de um popular" na rua, sempre se enganam. O Popular nunca é o entrevistado, é o sujeito que está atrás do entrevistado, olhando para a câmara.

O Popular não merece nem os méritos nem a calhordice que a imprensa lhe atribui. Alguém que é "socorrido por populares", outro, menos feliz, que é "linchado por populares"... Engano. Onde há um bando de populares não há o Popular. O Popular é a antimultidão. Sua única virtude é a sua singularidade. E um certo ceticismo inconsciente diante da História e das coisas. Não é que o Popular desmereça o Poder e os grandes lances da Humanidade, é que ele tem uma fatal curiosidade pelo detalhe supérfluo, um fascí­nio irresistí­vel pelo insignificante. Nas revoluções, o que atrai o Popular é a estranha postura de um soldado deitado no chão, o mecanismo de um tanque, as lentes de uma câmara.

O Popular é uma figura tipicamente urbana. Não tem domicílio certo. Seu habitat natural é a margem dos acontecimentos. E -- este é o seu maior mistério, a chave da sua existência -- ninguém jamais conseguiu descobrir o que o Popular leva naquele embrulho. E tem mais. O dia que pegarem um Popular para desvendarem o mistério, será inútil. Vão se enganar outra vez. O Popular verdadeiro estará atrás do preso, assistindo tudo. "

Luis Fernando Verissimo in "O Gigolô das palavras"

Eu vi, hoje, este popular de que fala Luis Fernando Verissimo. Não era inglês, não tinha um embrulho na mão e não ficou calado atrás dos protagonistas a assistir a tudo.
O popular que eu vi perorava por Penafiel, num desses incontáveis incêndios que devoram as matas.
Enquanto conversava com um proprietário de uma casa em risco, o popular chegou.
Numa primeira ficou à distância, observando a situação a partir do seu Renault 19. Com ele, a suar em bica, estava a famí­lia completa, que se acotovelava no banco de trás da viatura.
A força do sol castigava quem, no meio das cinzas, tentava fazer prognósticos e encontrar soluções que poupassem as casas. O popular não desarmava, ensopado em suor não saí­a do carro.
Avançamos para outro local. Mentira. Não avançamos. Arrastamo-nos atrás do popular que vendo a agitação se colocou a caminho do próximo cenário. Numa velocidade controlada e que não ultrapassava os 30 km, o popular apreciava a paisagem negra de cinza e fumo e prestava esclarecimentos à tribo ululante que se engalfinhava na rectaguarda do veí­culo.
Foi penosa a viagem de 700 metros. Demorou uns quantos, largos, minutos. Chegados ao novo poiso, o popular desceu da viatura. Preparado para os rigores do estio, o popular envergava umas calças de fato-de-treino arregaçadas até aos joelhos. No corpinho uma t-shirt coleante enrolada até meio do tronco. No pé trazia a bela sandalinha de dedo. No canto da boca bailava um palito. Não fosse estar acompanhado por uma espécie lontrina ( não londrina, porque o popular não era inglês) que tratava por um carinhoso "môre", e parecia um personagem extraí­do da gay parade de Berlim.
Já mais à vontade garantia a plenos pulmões, este popular, que andava naquele serviço de mirone desde a manhã.
É assim o nosso popular, pela-se por uma tragédia, rejubila com uma desgraça, veste-se a preceito, parte para o local, custe o que custar. E insiste. Insiste. E insiste, Até ao dia em que será coroado com uma entrevista televisiva, para falar do que não sabe e dizer o que não deve. Os políticos estão na mira, só falta a oportunidade.

quinta-feira, agosto 07, 2003

Artistas

"...há indivíduos que insistem em fazer alguma coisa de bizarro, mas inofensivo, em espaços públicos - será por certo um sinal dos tempos. Mas será que é Arte?" Philadelphia Inquirer

Ora vamos lá todos pensar nisto um bocado.

"Criatividade iguala Capital"

Esta semana a "Businessweek" e o "Star Tribune", de Minneapolis, apresentam, o que para muitos de nós era já visível, cidades cujo desenvolvimento económico crescente se deve a um forte investimento nas artes.
De acordo com um estudo, levado a cabo por Ann Markusen e David King da Universidade do Minnesota, existe um "dividendo das artes" em cidades com viva actividade artística.
De acordo com o estudo os trabalhadores com mais qualificações escolhem, para viver, cidades com animação artística. Esta é uma opinião que vem de encontro à argumentação do economista Richard Florida, da Universidade de Carnegie Mellon, para quem as classes com mais posses preferem viver em cidades onde a urbanidade ande de mãos dadas com as novas estéticas e a oferta cultural.
Cidades como San Francisco, Seattle ou Minneapolis-St. Paul, com grandes comunidades artísticas apresentam melhores indicadores de crescimento económico, do que cidades cuja aposta se centra única e exclusivamente no comércio e indústria.
Vem isto a propósito da tão propalada política de eventos desenvolvida pela Câmara Municipal de Penafiel. Há quem discorde da aposta. Há quem não veja grandes dividendos neste investimento, porque é de investimento que estamos a falar. E há por fim quem não aproveite o mesmo investimento.
Pela parte que me toca considero que se trata de um investimento fundamental para que a cidade consiga dar o salto que pretende.
Sente-se que hoje, mais do que nunca, há predisposição para investir em espectáculos e manifestações culturais.
No entanto sente-se que não há, ainda, uma concertação de esforços e um planeamento que lhe confira coerência e resultados palpáveis.
Antes de mais é necessário que a autarquia desenvolva um recenseamento concelhio dos espaços culturais e suas actuais condições de conservação e materiais.
Face à carta desenhada por esse recenseamento deverá a autarquia estudar quais as infra-estruturas a criar para suprir as necessidades identificadas. Aí entra, necessariamente, a construção de um espaço multi-meios, com capacidade para receber exposições nacionais e internacionais, um espaço com um palco funcional, quer para espectáculos musicais, quer teatrais. Este Palco deverá ter como finalidade última esses espectáculos e não conferências e colóquios. A funcionalidade artística não pode ceder terreno à estética de salão.
Por fim deverá ser constituída uma equipa multidisciplinar que desenvolva uma programação de qualidade e com uma forte componente pedagógica.
Formar os mais novos é fundamental para assegurar um concelho em que a futura massa empresarial tenha rasgo para investimentos de futuro, nas novas tecnologias e em nichos de mercado por explorar.
Paralelamente é fundamental iniciar uma análise às iniciativas já existentes, e que contam com apoio directo e indirecto da autarquia, no que diz respeito aos objectivos a que se propõem e de que forma os atingem.
Sendo assim, será que neste momento o que mais falta faz à cidade é uma companhia de teatro?
Se não existem salas com o mínimo de dignidade, esta aposta fará sentido?
Se já existe um festival de teatro que de ano para ano tem visto o seu orçamento "congelado", porquê apostar num novo festival, ainda por cima internacional?
Se há mais de uma dúzia de anos o Festafidelis tem usado a criatividade para ultrapassar as dificuldades endógenas e exógenas, com manifesto sucesso, porquê não reiterar o apoio a este projecto e lançar outro?
Nesta fase a cidade agradecia muito mais a manutenção do que já existe e a preparação de um trabalho de fundo numa área em que Penafiel, no seio dos seus pares, pode tomar a dianteira a médio prazo.
Neste momento Lousada leva uma vantagem assinalável (já tem inclusive um festival internacional de teatro), começou mais cedo, mas não terá as mesmas condições de dimensão e centralidade que Penafiel possui.
Sem planeamento os resultados não vão aparecer. Investir no passado é chover no molhado.
"Temos saudades do futuro" e esse é o caminho a seguir.

The Producers

Leio no New York Post que está de volta aos palcos da Broadway, para uma curta época de três meses, o espectáculo de Mel Brooks "The Producers". Um espectáculo tão mau, tão mau, que era bom.
Matthew Broderick e Nathan Lane estão de regresso já em Janeiro, mas é melhor esquecer a compra de um bilhete, ao que parece hoje a temporada já ficará esgotada.
Resta-nos a "Minha Linda Senhora", um espectáculo tão mau, tão mau, que chega a ser mesmo mau.
Se no universo bloguístico existir alguém que cinheça uma versão em DVD do "The Producers" que dê uma apitadela.
A gerência agradece.

quarta-feira, agosto 06, 2003

Leitura



Dentro de pouco mais de uma semana estarei algures nesta paisagem. Comigo levarei a Patrícia Melo e o seu "Elogio da Mentira", lembrando uma viagem com Erasmo há mais de 12 anos pelos caminhos da loucura. Vai também o Luís Cardoso e "A Última Morte do Coronel Santiago", uma viagem a um reino de praias, como é Timor, óptimo para ler nos rigores do estio.
Por fim levo um inglês de fino trato, William Shakespeare e o seu "Ricardo II", um retrato do poder e da morte.
Levo mais alguém, que consigo leva "o" romance, para essas páginas está reservada uma profunda atenção, daquelas que reservamos apenas uma vez na vida.

Marretice



Estes são os "Mutts" da nossa vida. Rafeiros há muitos, mas como estes..... Com um abraço para os Marretas

terça-feira, agosto 05, 2003

O Fogo

" O incêndio - leão ruivo, ensanguentado,
A juba, a crina atira desgrenhado
Aos pampeiros dos céus!...
Travou-se o pugilato e o cedro tomba...
Queimado..., retorcendo na hecatomba
Os braços para Deus. "

Castro Alves in " A queimada "

Solidariedade



Em todo o mundo as ondas de solidariedade reclamavam por uma Tourada em Penafiel!

Voltamos à tourada

Tal como previa a apresentação da Agrival trouxe as explicações necessárias à substituição da Tourada por um rodeo. Pela voz do vereador Jaime Neto fez-se ouvir uma justificação:

" Essa pergunta já tem sido feita por várias pessoas e já houve comentários pelo facto do ano passado ter havido contestação alegando que a tourada não era tradição em Penafiel à qual nós argumentamos que era fundamentado com a história passada com a realização de espectáculos tauromáquicos... Há aqui que distinguir tourada, no sentido clássico, e espectáculos com touros. O que existe em Penafiel, desde o século XIX, é tradição de espectáculos com touros.
Era nas aldeias que se faziam. A verdadeira tourada esteve cá instalada na década de 30, em que houve praça, até aí faziam-se vários modelos diferentes: algumas touradas à vara nas romarias, outras vezes eram os carros de cavalos que se juntava e fechavam e improvisavam as arenas, o rodeo é um pouco esse género e este ano optou-se por um rodeo por questões operacionais e porque há também alguma contenção a fazer nesta edição devido à recessão económica "

Ora vamos lá colocar um ponto final ou atirar umas achas para a fogueira nesta questão.
Sei que estou sozinho, ou pelo menos visivelmente sozinho, nesta luta, mas há bandeiras que não devemos deixar cair e se possível tentar erguê-las o mais alto possível, quanto mais sózinhos estivermos.
A tourada é uma dessas bandeiras. É um dos muitos temas em que discordo da quase totalidade de amigos que me rodeia, ainda assim sigo lutando.
Sem qualquer sentimento de acrimónia, quero desde já adiantar que não compro a explicação do Dr Jaime Neto. Custa-me a crer que por questões de ordem económica tenha sido suprimida a tourada.
Se a corrida teve lotação esgotada, se os portadores de bilhete não couberam todos na praça (tendo inclusive a organização sido forçada a devolver o valor dos ingressos), como é que é possível afirmar que foi por questões de ordem económica que foi suprimida a corrida.
Se o espectáculo do ano passado deu prejuízo, então foi porque os bilhetes emitidos não garantiam os gastos com a corrida.
Se assim foi, a organização devia assumir que os bilhetes deviam ser mais caros para tornar o espectáculo sustentável. Acho que as autarquias não devem ser um guarda-chuva que abrigue tudo quanto é manifestação cultural deficitária. Quem quer ver um espectáculo deve pagar o que vê, regra que se deve aplicar à tourada, teatro e afins.
Para a próxima que organizem um destes eventos cobrem o que tiverem que cobrar para que exista sustentabilidade.
Se os preços forem demasiado altos e não houver público que o sustente, serei o primeiro a dizer acabem com a tourada. Em tempo de crise há luxos que dispenso bem. Mas só no dia em que me provarem que a tourada não é sustentável.

segunda-feira, agosto 04, 2003

Regressemos ao Afeganistão

Tropeço esta manhã num dos livros mais curiosos do último ano, chama-se "To Afghanistan and Back".
“To Afghanistan and back” é um relato cru e politicamente violento sobre os ataques aéreos efectuados pelos Estados Unidos ao Afeganistão.É uma crónica de viagem ao mundo do regime talibã da autoria de um dos mais conceituados e premiados jornalistas e cartoonistas americanos, Ted Rall.
Do seu percurso fazem já parte dois prémios de jornalismo Robert F. Kenedy e uma presença como finalista do Prémio Pulitzer.
Apesar de Nova Iorquino não deixa de ter um sentido crítico, muito apurado, em relação ao que é a América e o ser americano. No preciso momento em que os bombardeiros americanos iniciaram os ataques ao Afeganistão, Ted Rall e a mulher encontravam-se embrenhados na comunidade Pashtun.
O resultado das experiências vividas com o povo afegão está patente num livro que acaba por ser um híbrido de fotografia, ensaios, cartoons e um romance gráfico.
Ponta de lança de um discurso politicamente incorrecto e hostil aos grandes grupos económicos, Ted Rall lança diariamente, na Time, Fortune, International Herald-Tribune ou New York Times, ferozes ataques ao coração do capital.
Muito longe do estilo jornalístico das grandes cadeias de televisão norte-americanas e mais ainda dos press releases governamentais, Ted Rall leva-nos numa viagem pela milenar rota da seda contando a história de um prisioneiro que se suicida com granadas ou de como guerreiros mujahideen se reuniam em fila para se barbearem e assistirem a um filme pornográfico em DVD, um dia depois de se juntarem à Aliança do Norte

Numa numa conversa/entrevista com Ted Rall logo após o fim da guerra no Afeganistão, Ted Rall falou-me da inevitabilidade do ataque ao World Trade Center e do terrorismo económico de que os americanos estão a ser alvo por parte de alguns “talibãs” do capitalismo.

De entre as muitas perguntas não publicadas devido à bem dita falta de espaço dos jornais, o Ted dizia:

" O que é que ficou por dizer sobre o conflito no Afeganistão que este livro desvenda?

A verdade que não foi contada: os milhares de civis afegãos mortos pelas bombas americanas, a estupidez de pensar que os talibãs seriam derrotados, o facto de nada ter mudado no Afeganistão apesar da tão propalada “libertação”. Mentiram-nos acerca de praticamente tudo. O meu livro é um pequeno passo em direcção à correcção dos registos históricos.

É possível imaginar este romance gráfico escrito por um talibã?

Desde que o regime talibã proibiu a representação gráfica de coisas vivas, suspeito que um romance gráfico talibã incluiria muitas formas geométricas e espaços em branco. "

Recordando estas últimas palavras e olhando para os dois lados do conflito, seja com o Afeganistão, ou com o Iraque, não tenho dúvidas de que optaria sempre pela liberdade. E a liberdade sinto que sopra com mais força a Ocidente.

O que temos

"Deixei contigo o meu amor,
música de açúcar a meio da tarde,
um botão de vestido por apertar,
e o da vida por desapertar,
a flor que secou nas páginas de um livro,
tantas palavras por dizer,
e a pressa de chegar,
com o azul do céu à saída,
por entre cafés fechados e um por abrir.

Mas trouxe comigo o teu amor,
os murmúrios que o dizem quando os lembro,
a surpresa de um brilho no olhar,
brinco perdido em secreto campo,
o remorso de partir ao chegar,
e tudo descobrir de cada vez,
mesmo que seja igual ao que vês
neste caminho por encontrar
em que só tu me consegues guiar.

Por isso tenho tudo o que preciso,
mesmo que nada nos seja dado;
e basta-me lembrar o teu sorriso
para te sentir ao meu lado."

Nuno Júdice in " O Estado dos Campos"

sábado, agosto 02, 2003

Os amigos

Ontem suspirei, numa daquelas reuniões estivais em plena esplanada, que devia começar a seleccionar melhor as amizades. Ao fim de cinco minutos de conversa já tinhamos chegado à conclusão de que a nossa união se consubstancia nas nossas enormes diferenças. Por isso é que os nossos encontros são uma sistemática animação, nunca nos entendemos e dificilmente estaremos de acordo em muitos dos problemas que se nos colocam.
Este é o nosso segredo, temos sempre material para discordar, discutir e até chocar os amigos com uma ou outra revelação.
É bom saber que, de vez em quando, podemos surpreender os que nos são próximos pelo simples facto de despirmos esse fato cinzento e chato da equidistância e assumirmos as nossa lutas com um calor inusitado.
"Zé Manel" o segredo está na forma como olhamos para as nossa festas: para mim serão sempre bravas, cheias de farpas, pegas de cara e muito sangue. Para ti serão sempre delicodoces, esse sentido muito "soixante huitard" que te assenta na perfeição, mas com o qual embirro por natureza.
É esta a nossa unidade e nunca será possível representá-la com um amontoado de calhaus, numa dessas rotundas da vida

"Só leio O Jogo"

A mente brilhante que não perde tempo com os jornais, a não ser com "O Jogo", é nada mais, nada menos do que Avelino Ferreira Torres. Protótipo de um Portugal a cheirar a naftalina e rico em caciquismos, o autarca do Marco de Canaveses deu mais uma entrevista antológica no jornal "Margem Douro", sediado em Cinfães do Douro.
Nessa entrevista o responsável por uma autarquia que, segundo algumas vozes, foi a primeira a entrar em falência, não se vai recandidatar e promete avançar para um novo concelho.
Amarante é a próxima meta do autarca do PP. Na entrevista diz o inominável senhor que o seu futuro político poderá passar por candidatura à autarquia de Amarante.
Já estou a ver o concelho à beira Tâmega descansado completamente revolucionado pelo autarca maravilha. As novíssimas avenidas José Mourinho e Reinaldo Teles, a rua Derlei e o parque de merendas Deco.
Diz o senhor que tem uma sondagem que lhe dá mais de 19% de vantagem sobre o actual presidente da autarquia.
Há coisas que não se desejam a ninguém, muito menos a uma terra tão bonita como Amarante.

PS 1: Diz ainda o "magnífico" autarca que sobre os processos que possui em tribunal, irá exercer alguma justiça de Fafe caso os tribunais não façam a justiça que melhor lhe convém.

PS 2: Diz ainda o senhor Torres que o Jornal de Notícias o tem tratado muito mal, curiosamente é o único jornal que a Cãmara Municipal recebe. Assim se prova que mesmo nas piores circunstâncias as instituições não se confundem com as pessoas que transitoriamente as dirigem, mesmo no sentido mais lato do conceito transitório.

A gazeta

Entrei em pânico, já se escrevem recensões sobre blogs. Leio no Outro, eu que o público vai dedicar uma coluna, às terças, quintas e sábados, para a análise e sugestão de blogs. É claro que sendo nós já mais de um milhar, a probabilidade desse olhar recair sobre nós é ínfima, mesmo assim não há como não estar preparado. A partir de agora só vou dizer coisas inteligentes, vou citar grandes escritores, falar de fabulosas exposições e entrar e profundas e entusiasmantes polémicas. Ou talvez não. Que faço?
Estou eu nesta dúvida, quando me apercebo que quem escreve o primeiro texto, sobre a Montanha Mágica, é escrito por uma amiga de longa data.
Maria José Oliveira de seu nome, é uma amiga daquelas que só se fazem nos ambientes estudantis, onde as diferenças unem mais do que separam. Relembro a fisionomia da Maria José, uma silhueta alta e magra. Uma voz suave e terna. Uma calma aparentemente imperturbável.
Aí é que me apercebo onde posso estar metido, relembro todas as barbaridades que lhe disse anos a fio. Relembro os comentários, nada elogiosos, sobre o seu ar de "esquerda negligé".
Relembro como ao princípio ela reagia com calma, mas como rapidamente mudava de registo para me pisar o calos e destratar com inegável carinho.
Acho que nada nos ligou desde o início, alimentamos uma relação de amizade estimulada pelo facto de não existir nada que nos aproximasse.
O ambiente paroquial da Escola Superior de Jornalismo propiciava longos momentos de "dolce fare niente", invariavelmente aproveitados pela Maria José para ler poesia ou ouvir Stina Nordenstam.
Hoje, mais do que ontem, crescem as diferenças entre nós, potenciadas por esses mais de 300 quilómetros que nos separam.
Hoje, mais do que ontem, tenho um enorme orgulho em ti, no teu trabalho e nesta certeza: há amizades que ficam, à força de muitas discussões.

sexta-feira, agosto 01, 2003

"quelqu'un m'a dit" que ela canta



O céu, visto do meu quarto, parece a Carla Bruni.

O calor!!!!

Estes últimos dias os dedos cederam à força do calor. Pelo menos em teoria. Por exemplo esta tarde tremeram com o calor da voz de Sarah Vaughan. Ela convidou-os a segurar uma chávena de "tea for two", daquelas em que Marcel proust costumava mergulhar as suas madalenas e partia em delírios e remniscências.
Esta noite prevê-se ainda pior, convidei a Carla Bruni para um serão a dois. Porquê Carla Bruni??? Só pergunta quem ainda não viu nem ouviu.
Aliás há coisas que só se dizem e fazem em francês.
Agora tenho de ir embora, ouço-a cantar, com aquele rouco suave, "Le ciel dans une chambre" e eu já estou nas nuvens.
É o calor!!!!!