sexta-feira, novembro 28, 2003

Das ausências que trago no peito

"Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim."

Carlos Drummond de Andrade

quarta-feira, novembro 26, 2003

Homem de palavra(s)

Cinco Palavras Cinco Pedras

"Antigamente escrevia poemas compridos
Hoje tenho quatro palavras para fazer um poema
São elas: desalento prostração desolação desânimo
E ainda me esquecia de uma: desistência
Ocorreu-me antes do fecho do poema
e em parte resume o que penso da vida
passado o dia oito em cada mês
Destas cinco palavras me rodeio
e delas vem a música precisa
para continuar. Recapitulo:
desistência desalento prostração desolação desânimo
Antigamente quando os deuses eram grandes
eu sempre dispunha de muitos versos
Hoje só tenho cinco palavras cinco pedrinhas"

Ruy Belo, in Homem de palavra(s), 1970

Transporte do Tempo

Em dias de maior cinzentismo, quando a melancolia do outono se desmultiplica em aguaceiros, tomo o "Transporte do Tempo" e converso com Ruy Belo.....

"Escrevo como vivo, como amo, destruindo-me. Suicido-me nas palavras. Violento-me. Altero uma ordem, uma harmonia, uma paz que, mais do que a paz invocada como instrumento de opressão, mais do que a paz dos cemitérios, é a paz, a harmonia das repartições públicas, dos desfiles militares, da concórdia doméstica, da instituições de benemerência. Ao escrever, mato-me e mato."

terça-feira, novembro 25, 2003

Catarina

- Andas a ler Mário de Carvalho?
Na mesa do café o livro agasalhava uma fantasia para dois coronéis e uma piscina. Os teus olhos traziam guardados toda a curiosidade do mundo e a inquietação do teu metro e vinte.

- Conheces o Mário de Carvalho?, perguntei, meio aparvalhado e surpreso

- Ando a estudar, na escola, "A inaudita guerra da avenida Gago Coutinho".

Prometi que em Janeiro te apresentaria a esse combatente das palavras que agora povoa as tuas aulas de português. Sorriste. E fizeste mais perguntas.
Num instante de maior sombra, feita de inauditas guerras de alecrim e manjerona, há sorrisos assim.
Sorrisos presentes. Sorrisos com antes e depois. Sorrisos do meio. Sorrisos que são pontes entre o que seremos e já fomos. Sorrisos de fronteira. Genuínos. Curiosos. Inquietantes.
A tua mais velha metade, sentada do outro lado da mesa, também ela sorria.
Não escreve o teu caminho, deixa que o faças pelo teu próprio punho. Um caminho cheio de perguntas.
Como tu, as tuas irmãs também escrevem o seu caminho, e ele (professor jubilado pela minha admiração), com as certezas a que nos habituou, lá vai corrigindo ortografias e gramáticas.

- Não te esqueças. É em Janeiro.

O sabor dos afectos

Ontem perguntaste: a que sabe o afecto? Que sabor guardas deste caminho em que nos cruzamos?

Sabe a manga e ananás.
Este é um afecto que guarda o calor e o exotismo da manga e do ananás.
A manga é daqueles frutos cujo sabor não é de fácil enamoramento. Cria rugosidade na língua e é feito daqueles finos fios que ainda hoje nos prendem ou (e) seguram.
A pele tem aquele especial toque macio e luzidio.
O ananás é fruto feio e de aspecto tosco, guarda uma estranha doçura envolta na acidez dos dias.
Sabes que o travo ácido é só um patamar para atingir um néctar cheio de calor e personalidade.
Os afectos são assim, por vezes rugosos e ácidos, mas sempre doces, brilhantes e envolventes.
Não há nada melhor do que acordar e provar esses afectos com sabor a manga, ananás e .....sonhos.

sexta-feira, novembro 21, 2003

A polémica em números

Não há nada como uma boa polémica para acelerar a contagem do sitemeter.
Esta semana obtive a melhor média de sempre.
A todos os políticos o meu agradecimento.

Da memória e de outros demónios

Estes últimos dias foram marcados por algumas conversas com amigos e conhecidos sobre esta troca de argumentos. A todos eles eu repeti uma velha máxima de matriz judaica, "eu perdoo mas não esqueço".
A memória é efectivamente uma das qualidades que muito prezo e cultivo por isso mesmo deixo aqui algumas das coisas que não me esqueço:

- Dos tempos em que, por concordar com algumas políticas de Agostinho Gonçalves, fui rotulado de socialista
- Dos tempos em que alguns dos colaboradores do executivo rosa eram ostracizados, nomeadamente por elementos do PS, e pelos quais desenvolvi admiração e amizade.
- Dos tempos em que outras figuras da política local foram insultadas, curiosamente algumas das mais visadas eram do PS, a quém sempre manifestei solidariedade contra o insulto.
- Dos tempos em que fui ameaçado, repetidas vezes, mas que relevei por ver nesses actos manifestações de falta de bom senso
- Dos tempos em que se tentava impor o respeito por acções trauliteiras
- Dos tempos em que a segurança era o que era
- Dos tempos em que quis colaborar com o executivo rosa e fui recusado
- Dos tempos em que os meus artigos serviram para atacar o executivo laranja
- Dos tempos em que o primeiro vereador rosa me dava os parabéns pelos artigos que colocavam em causa o executivo laranja e me alertava para algum mau estar que eles poderiam provocar

Por agora chega.
Todos os que me conhecem sabem que não perdoo a falta de memória e a ingratidão, para os que sofrem da primeira aconselho a ingestão de fósforo, aos segundos um sentido "Até sempre".

O delito de opinião

Depois de uma viagem, que me tomou alguns dias e me impossibilitou o acesso à internet, eis-me de volta para colocar em dia algumas polémicas estabelecidas a partir do meu último post.
O meu último post, que tinha por base a comunicação do ex-vereador na convenção rosa, não foi bem recebido no Partido Socialista, pelo menos em termos oficiais, já que o off the record me impede de transmitir o real pulsar de vários militantes do partido.
Assim sendo, quero agradecer a atenção dispensada pelo doutor ( sem aspas ) Sousa Pinto. A carta que me dirigiu, escrita com o estilo que todos reconhecemos, peca pela fulanização em que se embrenhou.
Quando me referi a " este velhinho cheiro a ranço político, o bolor e o verdete dos insultos gratuitos ", referia-me aos insultos e a toda a uma política que lhe anda a reboque. Reconheço ao sr. doutor ( sem aspas ) muitas virtudes, mas reconheço também que as declarações que efectuou se inserem numa "política de antanho a tentar relembrar o que há muito fazemos por esquecer".
O insulto e a calúnia são como o carvão não matam, mas sujam. Já a opinião franca e de cara descoberta tem a enorme vantagem de ajudar a traçar a cartografia dos valores das pessoas que nos rodeiam.
Por falar em quem nos rodeia, o senhor doutor ( sem aspas ) acredita mesmo em todos aqueles que nos últimos dias lhe bateram nas costas a dar os parabéns?
Eu prefiro mil vezes alguém, como senhor, que diz abertamente o que pensa, do que essa turba que diariamente abana a cabeça em sinal de aprovação, para mais tarde nos zurzir nas conversas de café.
Há no entanto um "mas", dispenso, no senhor, as aspas e os insultos.
A opinião livre é uma dessas conquistas que o senhor doutor ( sem aspas ) regularmente festeja de cravo ao peito, por alturas de Abril.
Por fim a opinião pode ser efectivamente livre. Eu sei que nos partidos a opinião traz sempre água no bico, sei que se habituou a ver, naqueles que lhe dão palmadinhas nas costas, interesseiros que procuram ganhar alguma coisa com esse apoio de ocasião, mas não caia na tentação de medir todos pela mesma bitola. Ainda que não acredite há muita gente séria, com opinião e liberta de atilhos de conveniência.
Alguns nunca falarão assim abertamente, outros ainda se lembram de um tempo muito recente em que, em Penafiel, a opinião era um delito. Eu recuso-me a viver com medo e sobretudo sem memória.
Com a deferência que me merece e sem acrimónia, os meus melhores cumprimentos ( sem aspas ).

segunda-feira, novembro 17, 2003

O ranço

Este fim-de-semana a penafidelense política voltou ao activo com a realização da convenção autárquica do Partido Socialista. Mais uma vez os mlitantes e autarcas rosa reuniram-se para debater as políticas locais e municipais durante uma tarde.
Sem a força de outros anos e claramente em perda em relação à edição transacta, os socialistas traçaram os problemas que assolam a prática do executivo camarário da coligação PSD/PP.
Ao longo de algumas horas foram identificados os vícios e erros acumulados nos dois últimos anos, nas áreas do ambiente, cultura e acessibilidades.
Se algumas das críticas fazem sentido e sublinham acções que tardam em arrancar, outras porém trazem a gratuitidade e o facilistismo preguiçoso.
Disso exemplo é a intervenção da Juventude Socialista que atacou com toda a força a política cultural da coligação, que, segundo os jotinhas, se queda por uma pura e simples persecução das actividades iniciadas pelo executivo rosa.
Depois de baterem na tecla que esta é a Câmara do Show-off e do espectáculo, acusar o executivo de ser um mero seguidor do PS é um tiro no pé. Dizer que a actual autarquia se apoderou do Festafidélis e de outras iniciativas é um exercício de desonestidade intelectual feita por principiantes. A memória selectiva é outro dos erros dos inexperientes, aqueles que só se lembram do que querem. A legitimação das nossas ideias passa pela justiça de saber ver na acção dos nossos opositores pontos positivos e negativos.
Esquecer que a Bienal de Pintura (ideia socialista do vereador Nuno Peixoto) ganhou uma maior notoriedade pelas mãos do actual executivo é mais um daqueles esquecimentos simpáticos para as mentes mais pequeninas.
No final poucas ou nenhumas ideias novas ou pelo menos diferentes das actuais saíram do conclave.
A única novidade acabou por ser a intervenção do ex-vereador Sousa Pinto que se referiu ao actual executivo como um grupo de mocitos, a quem se manda comprar rebuçados, acompanhados por um velho caquético.
Há muito que não se sentia este velhinho cheiro a ranço político, o bolor e o verdete dos insultos gratuitos está de volta.
Quando o Partido Socialista reclama um tratamento sério e sem enxovalhos, eis que surge um dos paladinos da política de antanho a tentar relembrar o que há muito fazemos por esquecer.

quinta-feira, novembro 13, 2003

O eco

Já muita gente terá afirmado que afinal "Entre pedras, o eco do vazio", pois as palavras minguaram e tornaram-se tão ténues, como ténue e frágil vai correndo a vida por estas paragens.
O estertor dos dias no Vale do Sousa asfixia, entre a imobilidade do granito e a tacanhez do cimento.
As cidades cumprem os serviços mínimos.
A existência clama apenas por comida, água, electricidade e gás.
A alma definha, à fome, ao frio e à sede.
Ninguém se questiona.
O torpor de um gigantesco Xanax tomou conta de tudo. Felizes, os autarcas olham para este outonal adormecimento com o terno olhar paternal de quem acaricia os pobres e deprimidos.

Amante

Quando podias viajar na perfeita curva das
minhas asas,
não quiseste ver o sol,
nem a primeira estrela do amor,
não quiseste plantar no céu
um azul mais intenso e uma flor,
não quiseste fazer da pálida face da
nuvem
uma cálida alcova para a interminável
noite dos amantes.
Hoje,
as tuas lágrimas caíram sobre a terra,
disseste três vezes o meu nome,
e na perfeita curva das minhas asas brancas
iniciaste o teu sono eterno.

José Agostinho Baptista, in Anjos Caídos

"Vagabundos de nós", segundo Pedro Strecht

"Daniel Sampaio é hoje um nome incontornável em Portugal. Ao longo de anos do seu trabalho médico, soube tirar a psiquiatria dos hospitais, e toda a carga negativa dessas doenças, falando delas ao cidadão comum sob a forma de saúde mental. Num passe de inovação, disse. Mudou. Abriu portas, desenterrou esqueletos, escreveu. Por isso, fez e fará história. É também a ele que devemos muito de um novo olhar sobre o saudável crescimento dos mais novos. E sobre o que andamos, ou não, a fazer por eles e para eles"
Pedro Strecht, in Público 13-11-03

segunda-feira, novembro 10, 2003

"Vagabundos de Nós"



"Vagabundos de Nós" é o nome do último livro de Daniel Sampaio, que estará no dia 21 deste mês em Penafiel. Esta é mais uma apresentação que se insere num projecto mais alargado de promoção da leitura na capital do Vale do Sousa.
Para uma das regiões mais deprimidas de Portugal, Daniel Bessa dixit, nada melhor do que uma conversa nocturna com um dos mais mediáticos psiquiatras portugueses, autor de uma vasta obra de refer~encia, nomeadamente na educação de jovens.
"A homossexualidade e os dilemas de identidade que lhe são inerentes estão na origem de "Vagabundos de Nós".
O livro relata a história de Diogo (o filho) e Luísa (a mãe) que, através das confidências que trocam, dão a conhecer o seu laço e as suas preocupações individuais e comuns com origem na homossexualidade do jovem.
Mostrando como mãe e filho, apesar de dialogarem com abertura, podem ter dificuldade em encarar e assumir "a diferença", o livro de Daniel Sampaio visa sensibilizar para o facto de existirem momentos em que não se pode escolher a condição a que se pertence.
"Vagabundos de Nós" revela Diogo, que se vê obrigado a reconhecer perante os outros a sua opção sexual, Luísa, forçada a prescindir da ideia de continuidade da família, e apresenta-os a ambos confrontados com as reacções sociais e culturais da restante família."
Isto é só o mote para uma conversa animada e mais alargada.
Os pormenores ainda são poucos, não há um local definido para a apresentação, mas já é certo que terá lugar no dia 21, cerca das 21.30


Paula, tu mereces, sempre....!

Ultimamente a saúde não tem permitido um exercício continuado e condigno das bloguices, só tenho interrompido o silêncio para dar largas à admiração de algumas mulheres.
Mais um vez o silêncio é cortado para dar conta de um novo blog, novo no verdadeiro sentido da palavra.
É um daqueles blogues que chora por causa dos dentes, gatinha, palra e é o centro das atenções.
A mãe embevecida colocou mãos á obra e deu à luz uma página carregada de vacinas, fraldas sujas, dodots, biberons, babettes, babygrows, carapins, carrinhos, fitinhas, berços, rocas, ursinhos, constipações, sarampos e tosses convulsas, bcg's e piquinhas no pé. Assim nascem os Filhos .
Soube agora que tive uma quota parte neste processo, estas palavras, entre pedras, motivaram o contacto com a blogosfera e a consequente vontade de criar os Filhos . Fico contente, uma vez que não apetecendo fazer dos meus, sempre vou dando alento aos outros para que façam os seus.
Paula, pois que sejas muito bem-vinda, tu e a tua I e o teu P, isto apesar de considerar que continuas a ter o mais feio nariz da blogosfera.