quinta-feira, setembro 30, 2004

a compta certa

um grupo de jovens universitários grita alegre, a plenos pulmões:

"Pró pito, pró peito
Fodemos tudo a eito
A malta de Informática
anda toda de pau feito"

quem não cantaria?
com um discurso tão afirmativo o emprego está garantido: desenvolver um programa para o ministério da educação.

early afternoon pops

"She came from Greece, she had a thirst for knowledge
She studied sculpture at Saint Martin's College
That's where I caught her eye
She told me that her Dad was loaded
I said "In that case I'll have rum and coca-cola
She said "fine"
And then in 30 seconds time she said
"I want to live like common people
I want to do whatever common people do
I want to sleep with common people
I want to sleep with common people like you"
Well what else could I do?
I said "I'll see what I can do"
I took her to a supermarket
I don't know why
but I had to start it somewhere
so it started there
I said "pretend you've got no money"
but she just laughed
and said "oh you're so funny"
I said "Yeah
Well I don't see anyone else smiling in here
Are you sure
you want to live like common people
you want to see whatever common people see
you want to sleep with common people
you want to sleep with common people like me?"
But she didn't understand
she just smiled and held my hand
Rent a flat above a shop
Cut your hair and get a job
Smoke some fags and play some pool
Pretend you never went to school
But still you'll never get it right
'cos when you're laid in bed at night
watching roaches climb the wall
if you called your dad he could stop it all
yeah
You'll never live like common people
You'll never do whatever common people do
You'll never fail like common people
You'll never watch your life slide out of view
and then dance and drink and screw
'cos there's nothing else to do
Sing along with the common people
Sing along and it might just get you throug
Laugh along with the common people
Laugh along although they're laughing at you
and the stupid things that you do
because you think that poor is cool
Like a dog lying in a corner
they will bite and never warn you
Look out
they'll tear your insides out
'cos everybody hates a tourist
especially one who thinks
it's all such a laugh
yeah and the chip stain's grease
will come out in the bath
You will never understand
how it feels to live your life
with no meaning or control
and with nowhere else to go
You are amazed that they exist
and they burn so bright
while you can only wonder why
Rent a flat above a shop
Cut your hair and get a job
Smoke some fags and play some pool
Pretend you never went to school
But still you'll never get it right
'cos when you're laid in bed at night
watching roaches climb the wall
if you called your dad he could stop it all
You'll never live like common people
You'll never do whatever common people do
You'll never fail like common people
You'll never watch your life slide out of view
and dance and drink and screw
'cos there's nothing else to do
I want to live with common people like you....."
Jarvis Cocker

espalhados

cheguei. pousei o telemóvel em cima do Albano Martins e do José Rodrigues. mais adiante o José Mário Silva repousa e interroga-se sobre a mudança de casa e a chegada dos trinta.
mesmo por cima da Maxmen o José Agostinho Baptista suspira e garante que não é música aquilo que ouvimos. ao colo o Herberto examina a loira beleza deixando os jardins a brilhar com os seus olhos.
na prateleira dos perdidos o Nuno Júdice ergue-se para dizer que dali vê as mulheres azuis do equinócio. a Ana Luísa Amaral ralha com o Barreto Guimarães:
- "tento empurrar-te de cima do poema"

ele não se importa e diz que "dá gozo participar do prazer que eu possa ter contigo (e entre nós) dá-se agora tudo a meias.

é tão bom chegar ao escritório e ver os poetas assim. todos espalhados.

segunda-feira, setembro 13, 2004

aos cães que usam o meu nome

Requiem por um cão

"Cão que matinalmente farejavas a calçada
as ervas os calhaus os seixos e os paralelipípedos
os restos de comida os restos de manhã
a chuva antes caída e convertida numa como que auréola da terra
cão que isso farejavas cão que nada disso já farejas
Foi um segundo súbito e ficaste ensanduichado
esborrachado comprimido e reduzido
debaixo do rodado imperturbável do pesado camião
Que tinhas que não tens diz-mo ou ladra-mo
ou utiliza então qualquer moderno meio de comunicação
diz-me lá cão que faísca fugiu do teu olhar
que falta nesse corpo afinal o mesmo corpo
só que embalado ou liofilizado?
Eras vivo e morreste nada mais teus donos
se é que os tinhas sempre que de ti falavam
falavam no presente falam no passado agora
Mudou alguma coisa de um momento para o outro
coisa sem importância de maior para quem passa
indiferente até ao halo da manhã de pensamento posto
em coisas práticas em coisas próximas
Cão que morreste tão caninamente
cão que morreste e me fazes pensar parar até
que o polícia me diz que siga em frente
Que se passou então? um simples cão que era e já não é"

Ruy Belo, Transporte no tempo, Presença, 1997

é uma questão de estudo

na região mais deprimida do país, nem o futebol ajuda arrebitar o ânimo local.
este fim-de-semana o FC Penafiel encaixou um bailinho de três tentos, frente ao Marítimo. já o União de Paredes não fez melhor e agasalhou 5 diante do vizinho Lousada.
Feitas as contas o FC Penafiel em dois jogos já leva 7 golos sofridos e zero pontos. o Paredes, em três jogos, já sofreu 12 golos e tem os mesmos zero pontos.
a bem da verdade, na região que lidera o abandono escolar no país, ninguém esperava que as respectivas equipa soubessem estudar os adversários.

hei-de ir para casa



Será que vou para casa no preciso instante em que a cortina correr diante dos olhos? ao fim do segundo encore, quantos de vós será possível contar, quando a plateia se mostrar iluminada, à força da sombra que me cobrirá por trás dos panos.
há um dia em que nos dirigimos para casa, sentindo cada vez mais fundos os rios que nos correm no rosto. a muita vida que eles transportam, é a mesma que nos verga irremediavelmente fazendo com que nos abandonemos ao sabor da corrente, certos de esta nos levará até casa.

Fluir

"Talvez em ti acabem hoje todas as nascentes,
e nas rugas que, numa e noutra face,
esculpiram o medo e a sabedoria,
se possa ler em comovido olhar
o princípio, o meio e o fim desse caudaloso
fluir que outrora chamámos vida.
Talvez agora, tal como ontem e sempre,
comece a própria morte,
aquilo que nos devora,
aquilo que nos convoca para o silêncio e para
a mão que escreve, sonâmbula e feroz,
estremecendo."

José Agostinho Baptista, Agora e na Hora da Nossa Morte, Assírio & Alvim, 1998

sexta-feira, setembro 10, 2004

assim se erguem os olhos em redor

e é mais nossa esta cidade que habitamos. cidade onde os passeios graniticamente se espreguiçam em largos espaços. eu gosto de uma cidade desenhada para pessoas, uma cidade que vence os carros e nos desafia a habitá-la.
Penafiel é mais essa cidade, é mais nossa. nós que a cruzamos com os olhos nas sardinheiras e varandas de ferro forjado.
uma cidade com menos carros é uma cidade mais civilizada. subjugar esta verdade à ideia de que os comerciantes não conseguem fazer cargas e descargas é argumentar contra as pessoas.
eu quero uma cidade em que os olhos não andam pregados ao chão tentando adivinhar a berma de uma nesga de passeio. hoje os olhos erguem-se e perscrutam as margens do nosso património. e já nos olhamos nos olhos.

...e de ti não falo

Surdo, Subterrâneo Rio

"Surdo, subterrâneo rio de palavras
me corre lento pelo corpo todo;
amor sem margens onde a lua rompe
e nimba de luar o próprio lodo.

Correr do tempo ou só rumor do frio
onde o amor se perde e a razão de amar
--- surdo, subterrâneo, impiedoso rio,
para onde vais, sem eu poder ficar?"

Eugénio de Andrade

quinta-feira, setembro 09, 2004

com os olhos cheios de África

chega hoje aquele que me ensinou a palavra, a notícia, a poesia.
traz-me o verde da Namaacha, o mar do Xai-Xai, memórias da Beira e jacarandás de Maputo. ele que me desenhou versos nos olhos, carrega nos bolsosum poema novo e nos braços uma das mulheres mais bonitas do mundo.
partilhamos o nome, mas isso é só o princípio da muita vida que nos une.

Olhos deslumbrados

"São estes ainda,
os olhos da infância,
deslumbrados,
deslumbrando-se
aos milagres da vida:
a intacta pureza das crianças,
os luminosos rostos feminis,
a limpidez das nascentes,
as cambiantes do fogo...
tudo, tudo quanto é beleza
ou lhe deslumbra beleza
os olhos deslumbrados.

"Os olhos deslumbrados", Fernando Couto, 2001

agora que chega o outono

"Blankets", de Craig Thompson e editado pela Top Shelf, é o melhor aconchego possível para o Outono que se adivinha. foi a figura da noite na entrega dos prémios Eisner 2004, sendo coroado como "melhor nova novela gráfica". Thompson foi premiado como o melhor escritor/desenhador. para quem se habituou a viver com Jimmy Corrigan, "Blankets" é uma dádiva.



Craig Thompson nasceu em 1975, em Traverse City, Michigan.
autor de "Two-way cartoon machine", "My friend Joey's Legs", "Kissy Poo garden", "Bible Doodles", "Doot Doot garden"

por um fio de literatura

A Coluna Infame apresentou-me Nelson Rodrigues e Diogo Mainardi. Agora o Pedro Mexia e o Francisco José Viegas, prometem apresentar-me muito mais autores de língua portuguesa com sotaque. Está tudo na Gávea.
A propósito fica aqui uma sugestão, "Por um fio" de Drauzio Varella, o mesmo autor de "Estação Carandiru" um romance choque sobre o massacre na maior prisão da América Latina.
O segundo romance é uma viagem pela vida dos doentes terminais. A vida contada pelos dedos, contada nas páginas.

"Morte é a ausência definitiva. Tomei consciência desse fato aos quatro anos de idade, dois meses depois de ter ficado órfão. Estava sentado à mesa do café-da-manhã, encolhido por causa do frio; minha avó espanhola, de vestido preto, vigiava o leite no fogão, de costas para mim.
Naquela noite, tinha sonhado que passeava de mãos dadas com minha mãe por uma alameda de ciprestes que havia na entrada da chácara de meus tios, na rua Voluntários da Pátria, em Santana, um bairro de São Paulo.
- Vó, nunca mais vou ver minha mãe?
Sem demonstrar a solicitude habitual com que respondia minhas perguntas, ela permaneceu calada, cabisbaixa na direção da leiteira.
Vinte anos mais tarde, na faculdade, descobri que tratar de doentes graves era o que mais me interessava na medicina. Por essa razão, passei os últimos trinta anos envolvido com pessoas portadoras de câncer ou de aids, em convívio que moldou minha forma de pensar e de entender a existência humana. No começo da carreira imaginei que, se ficasse atento às reações dos que vivem seus momentos finais, compreenderia melhor o "sentido da vida". No mínimo aprenderia a enfrentar meus últimos dias sem pânico, se porventura me fosse concedido o privilégio de pressenti-los. Com o tempo percebi a ingenuidade de tal expectativa: supor que, por imitação ou aprendizado, seja possível encarar com serenidade a contradição entre a vida e minha morte é pretensão descabida. Não me refiro à morte de estranhos nem à de entes queridos, evidência que só nos deixa a alternativa da resignação, mas à minha morte, evento único, definitivo."

Por um Fio, Drauzio Varella, Companhia das Letras, Brasil

quarta-feira, setembro 08, 2004

por vós

o mário podia ter sido o coelho da Alice. nasceu sem tempo. e corre desmesuradamente, tentando apanhar esse tempo que sistemáticamente lhe foge. ainda o vou ver com a cabeça de Kronos orgulhosamente guardada debaixo do braço. ou então, não. mas não é por isso que vou gostar menos dele, ainda que não tenha tempo para ouvir um disco, ler um livro ou ver o Corto Maltese.
mesmo que eu não lhe responda às mensagens, mesmo que eu não tenha tempo para com ele almoçar ou jogar conversa fora. mesmo assim vou gostar de gostar do mário e de tudo o que sustenta esta amizade, ou seja, tudo quanto nos profundamente divide.
o mário devia ter um blog. não tem tempo. por isso mesmo alguém lhe dedicou um blog chamado por ti meu anjo.
o blog é escrito com carinho. a voz que o sustenta é salgada e fala do mar. viver junto à praia tem destas coisas. as palavras, os sentimentos e os gestos ficam cheios de salitre, em compensação parecem muito maiores, criam uma breve ilusão de infinito.

como um barco sem porto

a nossa atenção anda como um barco sem porto. como espuma na crista de um mar revolto, como ondas que esbarram em arribas firmes.
da confusão pouco ficará e as marcas deixadas na areia não resistirão muito tempo às vagas que na praia desmaiam.
nos barcos agora à deriva, de ambos os lados, desfraldam-se uma ética e moral esfarrapadas.
não é um qualquer esquife que salvará um país em busca de um aborto de abrigo. lá chegaremos, ao nosso ritmo, à nossa medida.
nem sempre remar com toda a força é remar bem.
estou no mesmo barco e tenho o mesmo destino, não me peçam é para concordar com a rota e o espalhafato escolhidos. não nos esqueçamos que estamos a falar da dor e a dor não se trata assim.

entretanto ficam amnióticas palavras, uma "Ferida Aberta" à vida.

Laparotomia
"O seu útero era como uma
Melancia que alguém tivesse

Deixado caír ao chão. Por entre
Os ruídos de alarme do monitor

Ouvia-se a voz do anestesista
Falando de catéteres centrais

Um feto de mais ou menos treze semanas
Boiava no meio das ansas intestinais"

Ferida Aberta, Jorge Sousa Braga, Assírio & Alvim