segunda-feira, julho 21, 2003

Mais do que um objecto

O Abrupto continua a sua recolha de objectos perdidos ao longo dos tempos, pequenos nadas que fizeram todo o sentido e uma falta imensa.
Eu lembrei-me de um objecto, aliás mais do que um objecto, uma atitude.
"O pente religiosamente guadado no bolso de trás das calças".
Os homens já não guardam, junto das cautelas, o pente. Já não fazem aquele gesto firme de colocar em ordem o cabelo, acompanhado pela suavidade da mão, que suada conferia aquele estrutura una e circunspecta.
Os homens já não param à porta das repartições públicas, dos consultórios, dos cafés, a olhar para um vidro e a desenhar a regra e esquadro a risca ao lado.
O pente, naquele plástico matizado de castanho, morreu.
Eu próprio já não me penteio vai para uma vintena de anos.
A última vez que penteei foi no dia da comunhão solene.
Hoje junto à Estação de S. Bento já não se vendem pentes, hoje à porta da "Adega do olho" já ninguém se penteia, amanhã entre uma e outra sande de presunto, no "Louro", ninguém tirará o seu pente e será mais homem.
Hoje quando saio à noite e vejo os rapazinhos que habitam o estado novo, com a melena cuidadosamente despenteada à frente dos olhos, juro que rezo para que entre um qualquer paquistanês e que em vez de rosas traga na mão um bouquet de pentes para guardar no bolso de trás das calças.