terça-feira, junho 15, 2004

a propósito de Deco e Rui Costa. mas também podia ser a propósito de Fernando Couto e Ricardo Carvalho

"Não tem perdão a obtusidade com que insistimos em Servílio. Só no jogo com o Perú é que desconfiamos do óbvio ululante. Não havia nenhuma afinidade entre alhos e bugalhos, ou seja: - entre Servílio e Pelé. Mas no dia seguinte, todo o mundo enxergou, de repente, outro óbvio, ainda mais estarrecedor: - Alcindo. O tal companheiro de pelé, mais esperado do que um Messias, era o formidável centauro gaúcho.
Notem que estava na cara. Mas ai de nós, ai de nós! Nunca enxergamos o que está na cara. Alcindo treinava com uma saúde, um élan, uma fome, uma sede, uma fúriasagrada. Se pusessem uma paralelepípedo na arquibancada, ele diria, com o dedo apontado para Alcindo: - "Esse é o companheiro de Pelé!". (Nas minhas crônicas, os paralelepípedos têm dedo.) Mas como eu ia dizendo: - o que um paralelepípedo veria, ao primeiro olhar, nós não vimos. E, por fim, ninguém acreditava mais no tal companheiro. Foi preciso que jogassem o Brasil e a Polônia, lá no Mineirão. E o óbvio baixou, de repente, no estádio. Não há mais dúvida, não há mais nada. O jogador que o óbvio escla é inarredável, irrversível, assim na terra como no céu."

Nelson Rodrigues, "A pátria em chuteiras, novas crônicas de futebol", Companhia das letras, Brasil, 1994