terça-feira, agosto 12, 2003

A pouca vergonha

Ontem, quando passava os olhos pelo Jornal de Notícias, dei de caras com uma daquelas notícias que nos deixa perceber quanto o nosso país é pobre, triste e podre.
Tudo se passou nesse reino, de lusa fantasia, chamado Felgueiras.
Na noite de Sàbado a autarquia em estreita ligação com a Escola Profissional de Calçado de Felgueiras levou a cabo um desfile de jovens estilistas de calçado.
Em causa estava a entrega de um prémio intitulado "Sapato Criativo".
O certame, ao que rezam as crónicas, foi apresentado por uma jovem que por coincidência se chama Felgueiras, trabalha na RTP e tem a mãe (outrora autarca daquele concelho) no Brasil.
Coincidências à parte, a cerimónia serviu para demonstrar toda a pujança de um sector vital da exportação portuguesa.
O final teria pois que ser apoteótico. Para isso recorreu a organização a um modelo já ali experimentado, e que se traduziu na apresentação de um vestido de noiva bordado pelo engenho das mãos que trabalham na Casa do Risco e dela fazem uma referência no norte do país.
Só que, e aqui está o que faz desta estória a verdadeira delícia, este ano o vestido de noiva não foi envergado pela modelo do ano passado.
Fátima Felgueiras, que por certo andará a passar outro tipo de modelito em Copacabana e que por pouco escapou a um muito português fatinho branco às riscas pretas, não desfilou o modelito de noiva.
A substituta, Diana Pereira, não deu ao momento o ar farto de demagogia e aquele inconfundível ar impenetrável, bem patente num penteado à Imelda Marcos.
Estava o público já em extase, ante a beleza do bordado e da noiva (este ano bem mais jovem e virginal), quando a apresentadora pediu "um forte aplauso para a outra pessoa que no ano passado desfilou com esse vestido...".
É assim que vai o nosso país.
No ar ficou aquela furiosa salva de palmas, tão furiosa como os cascudos que ficaram por dar em Francisco Assis, tão furiosa como a estupidez que nos vai varrendo e dirigindo uma região que apesar de ter uma indústria pujante, continua a ser a segunda NUTT mais pobre do país.
Porque ser rico não é ter uma casa no Leblon ou Copacabana, ser rico não é ter o concelho da Europa com a maior concentração de Ferraris por quilómetro quadrado.
Ser rico é ter a capacidade de corar de vergonha ante estas manifestações terceiro-mundistas.
O destino, para quem acredita, tem uma sabedoria curiosa. Talvez por isso mesmo o vencedor do certame de Felgueiras tenha ganho com uma bota-sandália, um compromisso entre o rigor climatérico do norte de Portugal e a genorisade solar do Rio de Janeiro. Tudo em pele de Avestruz, material que, bem vistas as coisas, não será difícil de encontrar em Felgueiras.