quinta-feira, maio 19, 2005

a terra média

o Paulo F Silva colocou este blog pelas Ruas da Amargura, o que, dadas as circunstâncias, é uma subida honra.
diz ele que Penafiel é uma terra do interior, ainda que fique perto do Porto. um espaço onde os forasteiros, ou na versão contemporânea, os turistas de ocasião, não conseguem comprar um jornal numa qualquer manhã de sábado.
aqui é que bate o ponto. Penafiel é mais do que um espaço geográfico, é uma coordenada mental. encravado entre o litoral e o interior, Penafiel é a Terra Média.
JRR Tolkien pensou, de certeza, em Penafiel quando escreveu o Senhor dos Anéis. na realidade ninguém pode dizer que a terra existe, ainda que existam relatos e provas espectrais desse universo.
ali, aliás, aqui as regras são outras, as unidades são diferentes e as personagens são únicas. só aqui poderiam existir gangs-familiares de peixeiros, a 50 km do mar. só aqui é que há bordéis em contentores, encravados no meio do mato. mas também é aqui que as crianças trabalham nas pedreiras. como diz o ditado quando a criança não vai à pedreira, vem a pedreira ao encontro da criança, em pedaços de granito que, de quando em vez, chegam a voar oriundos de um qualquer rebentamento.
é aqui que os vizinhos resolvem os diferendos com velas de dinamite à porta das garagens. é aqui que não há escolaridade para todos. é aqui que as pessoas menos ganham. é aqui onde não há investimento, não há aopio ao desenvolvimento. é mesmo aqui onde estão algumas das indústrias menos qualificadas e com mais probabilidade de falir (texteis, mobiliário, calçado). é mesmo aqui que, dizem os especialistas, moram os economicamente deprimidos. cá não moram os moralmente deprimidos, aqui ninguém sabe o que é a angústia e o desespero do Kierkgaard, a moral mede-se com outras coisas. aqui ainda se fazem manifestações para pedir luz.
a viagem por aqui é sempre cheia de pedras e terrenos acidentados, ainda que povoada por criaturas extraordinárias (Presidentes da Assembleia da República, Procuradores Gerais da República, Seleccionadores Nacionais) e outras pouco mais que ordinárias.
é aqui, de certeza, que mora o Frodo. mora ele e uma quantidade imensa de outros hobbits em quem ninguém repara. vivem encravados entre o litoral e o interior. é como se vivessemos no separador central da auto-estrada, nem vamos para lá, nem de lá vimos. limitamo-nos a vê-los passar.
por aqui.

ps: com tanto entusiasmo esqueci-me de dizer que o Paulo tem de vir assistir à teimosia, ao vivo e a cores. já sabes é na Biblioteca ou no Bar do Lago.