terça-feira, outubro 11, 2005

Londres e os Paraísos Artificiais

Por aqui navega-se entre Londres e S. Paulo, por entre contos ou breves descrições. Há um negro carinho nos passeios de Virgínia Wolf pela Londres dos anos 20/30. As docas e os navios que ali estão presos à agua, "por uma pata", as fábricas sujas, as terras lamacentas. Como Virgínia, também estes retratos aparecem ora envolvidos em ternura e felicidade, como de repente se deixam abater por uma enorme tristeza e melancolia.
Com Paulo Henriques Britto as viagens são feitas pelo quotidiano. pelas rachadelas na parede, por uma maçã que apodrece na mesinha de cabeceira ou por um vulto que chama por nós no meio da rua.
Para o vencedor do Prémio Portugal Telecom de literatura brasileira, em 2004, a paisagens dilui-se na emergência dos objectos e gestos quotidianos. Uma janela no prédio em frente, uma cozinha ou a cama onde nos deitamos, enfermos, são espaços de evasão tão eficazes quanto uma viagem ao mais sereno desertou ou à mais movimentada metrópole.
Nestes dois casos as viagens, pela Londres do-pós guerra ou de um quarto vazio, são sempre viagens interiores, sem paraísos ou artificialismos.


"Mais adiante, uma pousada com varandas em arcoapresenta ainda o estranho ar de dissipação próprio dos locais dedicados ao prazer. Este foi, em meados do século XIX, um lugar referenciado pelos foliões, e chegou a ser mencionado no contexto de alguns dos mais famosos casos de divórcio da época. Agora que o prazer se foi, ficou só o trabalho; e a pousada, ao abandono, ergue-se hoje como uma bela, engalanada com os seus mais belos atavios nocturnos, contemplando as planuras de lama, as fábricas de cera e aqueles amontoados de terra malcheirosa (sobre os quais os camiões despejam continuamente novos montes) que vieram substituir por completo os campos onde, há cem anos atrás, os amanttes vagueavam e colhiam violetas."

Virginia Wolf, "Londres", Relógio D'Água, 2005

"Olho em volta. A cozinha está escura. Acendo a luz. De repente os objetos parece que vêm à tona, é essa idéia, antes estavam afundados na escuridão, agora vêm à tona. Todos exatamente nos seus lugares, nenhum aproveitou a minha ausência para sumir, virar-se do avesso, se transformar em salamandra ou estátua de sal. Essa lealdade das coisas sem vida me enternece profundamente, dá quase vontade de chorar. A gente sempre pode confiarnum escorredor ou num fogão de quatro bocas ou num pano de prato, eles são absolutamente incapazes de sacanear a gente. É mesmo um negócio comovente. O amor deve ser mais ou menos isso."

Paulo Henriques Britto, "Paraísos Artificiais", Companhia das Letras, 2004

4 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Desculpa a franqueza: ler seja o que for escrito em "brasileiro" causa-me náuseas...

Lésse

5:13 da tarde  
Blogger peciscas said...

Saborosos textos estes, Tito!
Um abraço!

7:45 da tarde  
Blogger maria said...

Quartos vazios vão continuar, para sempre, a ser razão de tantas palavras...

as da Virginia Wolf, palavras, desde a ideia de "um quarto que seja seu", são-me caras, especialíssimas!

Obrigada, Tito, pelas lembranças de leituras sempre fundamentais...

11:30 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

"Desculpa a franqueza: ler seja o que for escrito em "brasileiro" causa-me náuseas..". Uma pena!! Com certeza tu nao conheces bem sobre literatura...

8:44 da tarde  

Enviar um comentário

<< Home