quinta-feira, agosto 14, 2003

Um dos meus mais francos amigos, daqueles que se fazem sem saber bem como e que guardo com mil cuidados, voltou a questionar-me sobre as touradas e sobre a sua suposta saúde ou morte anunciada.
O Jorge, assim como várias outras pessoas, não me perdoa esta aficcion. Sendo assim lá enviou mais uns mails ainda na sequência do meu inconformismo em relação à substituição da Tourada, em Penafiel, por uma versão "amaricada" ou americana da Festa Brava, chamada Rodeo.

" Não te parece que se realmente esse espectáculo pré-historico que tanto defendes fosse tão concorrido a " praça de touros de Lisboa " não estaria naquele estado degradante. Se fosse lucrativo não tenhas a mínima dúvida que já tinham pegado naquilo. São estas pequenas coisas que me levam a pensar que
este paí­s sempre evolui, se bem que aquele espaço dava um excelente palco para bons concertos. "

" Ainda no que diz respeito aquela questão dos " toiros ", uma coisa que me faz bastante confusão é como que havendo tantos adeptos da farpa o Campo Pequeno está naquele estado e partindo do princípio que já tens resposta pronta pra isso, não te esqueças que a esmagadora maioria das praças de touros deste país ou estão abandonadas ou num estado de conservação miserável (já nem falo na comodidade). "


Jorge Baptista

Vamos lá pensar nesta questão de uma forma suficientemente abrangente.
Jorge conheces tão bem ou melhor do que eu o Estádio Municipal 25 de Abril, em Penafiel, como ele estão muitas centenas de outros estádios e campos de futebol por esse país fora, será isso sinónimo da falta de amor pelo Futebol? Não creio.
O miserabilismo de muitos dos estádios portugueses nada fica a dever às condições das praças de touros.
Quanto ao conforto, estão igualmente de mãos dadas os dois tipos de recintos. Porém as praças de touros levam uma enorme vantagem quando falamos de segurança. Já alguma vez ouviste falar em hooligans no Cartaxo e na Moita? Já alguma vez ouviste falar de confrontos entre a claque do João Moura com a do Pedrito de Portugal?
Na cidade onde vivi toda a minha infância, o Porto, conheci cinco salas de cinema até aos 11 anos. Morreram todas. Alguém se lembra do Águia D'Ouro, do Cinema Vale Formoso, do Cinema do Terço?? O S. João e o Rivoli ainda foram a tempo de serem recuperados e são hoje belíssimas salas de espectáculos, outros nem por isso. Onde está o cinema Batalha, a Sala Bébé, o Trindade, o Foco, o Charlot??? Será isto sinónimo de falta de entusiasmo em torno da sétima arte?? Não creio.
Tem de existir apoio ao desenvolvimento dos espectáculos, o Estado e as autarquias não os devem pagar, mas devem apoiar o seu desenvolvimento e promoção. Como? Agrupando actividades semelhantes em grandes eventos que possibilitem uma maior visibilidade a cada um dos seus módulos. O problema não é a actividade cultural ser pequena, é estar sozinha.
É necessário que as autarquias apoiem os espectáculos tauromáquicos, chamando-os a participar em iniciativas como a Agrival, cedendo espaço e promovendo o espectáculo.
Se todas as autarquias se demitirem desse apoio, ao que de mais português ainda vamos conservando, mais dia, menos dia, seremos uma minoria. Porque, quer gostem ou não, neste momento somos uma imensa maioria de aficcionados. Cada vez que se realiza uma corrida em Penafiel, Paredes ou Lousada as praças esgotam. Os mesmo é extensível a várias cidades de Norte a Sul do país.
Neste momento só não temos os estádios de futebol como o Campo Pequeno porque se lembraram desse expediente chamado Euro 2004.
Não te preocupes com o Campo Pequeno e as condições em que assistimos às corridas, atrás de tabiques ou sentado numa grade de cerveja estarei sempre na primeira linha de defesa da Festa.
A minha preocupação neste momento volta-se mais para um país que gastou milhões num estádio em Faro que vai servir para uma equipa dos distritais, que já avisou que não tem dinheiro para o sustentar.
O que me preocupa é que a tua cidade não tenha uma sala de espectáculos, e mesmo assim mantenha um festival de teatro e se prepare para dar á luz outro.
O que me preocupa é que na cidade onde agora vivo exista uma Casa da Cultura, que promove a cultura do vazio. Um espaço que só se abre para dois ou três espectáculos de gosto duvidoso (muitas vezes) inseridos num bafiento encontro de artistas do Vale do Sousa a que pomposamente chamam Encontr'artes.
O que me preocupa é que esses arautos da cultura emitem bilhetes para espectáculos caríssimos, para serem distribuídos gratuitamente por uma falange de amiguinhos.
O que me preocupa é que quem quer ver o espectáculo, porque gosta da manifestação cultural em causa, receba um rotundo NÃO PODE ENTRAR, para depois chegarmos à conclusão que os convidados não apareceram e a sala ficou a meio vazia.

Isso preocupa-me e a ti também.
A Festa continuará a ser isso mesmo uma FESTA e não há morte anunciada que nos desanime ou refreie
Seguimos lutando.