quarta-feira, julho 30, 2003

A intacta variação

Quando ouço falar em "Variações de Goldberg", não consigo imaginar outra interpretação que não a de Glenn Gould. Nem por um único instante vacilo, ninguém nunca me fará ouvir outra interpretação.
Aliás minto quando digo que não vacilo, tremo e desoriento-me quando forçado a escolher entre uma das três gravações das variações por Gould.
Reconheço muito energia e vitalidade na gravação de 1955. Os 22 anos de um jovem predestinado saltam, não à vista, mas ao pavilhão auricular. Tudo é força e Primavera. Já 26 anos mais tarde, quando em 1981 Gould fez a primeira regravação da sua carreira, ouvimos umas variações mais maduras, interpretadas por um pianista que já tinha conquistado o mundo.
As "Variações de Goldberg", na minha leitura muito leiga, são uma espécie de catálogo da vida, são um breviário para uma vida banal. Entrecruzam-se dias alegras e dias tristes, momentos eufóricos e melancólicos. Há uma matriz, mas depois tudo é vida e as muitas caras que ela pode ter e não dominamos.
Nos momentos de dúvida, entre uma e outra interpretação, escolho o vivo. Viajo até Salzburgo, sento-me numa plateia rendida, e em pleno ano de 57, ouço ecoar as notas das variações, libertas das paredes do estúdio.
Variações sim, mas de uma nota só: Glenn Gould