terça-feira, dezembro 23, 2003

Peaches

Leio algures que dias 26 e 27 deste mês a Peaches volta a actuar em Portugal. É caso para dizer que esta "rapariga" se está a tornar numa espécie de Loyd Cole mas com mais pêlo.

Também ele traz água nos olhos



Antes mesmo de vestir a farda vermelha, o velho Nicolau, olhou uma última vez para o mar gelado.

"Penafiel Marca", pela originalidade

O novo slogan de Penafiel tem o apoio:

sexta-feira, dezembro 19, 2003

Explicação da solidariedade

Para ti, que entraste sem aviso por entre as palavras.

Aliete:

"Mas tu cresces abundante como um ano bom
És uma benção como um ano bom
Enches-nos a casa como um ano bom"

Daniel Faria, "Poesia", Quasi Edições, 2003

Explicação do silêncio

Porque há momentos em que o silêncio se torna ensurdecedor

"Não turbam a água dos meus olhos
As pedras que me atiram sobre o corpo"

Daniel Faria, "Poesia", Quasi Edições, 2003

quinta-feira, dezembro 18, 2003

A propósito da política local

"Homens que são como lugares mal situados
Homens que são como casas saqueadas
Que são como sítios fora dos mapas
Como pedras fora do chão
Como crianças órfãs
Homens sem fuso horário
Homens agitados sem bússola onde repousem

Homens que são como fronteiras invadidas
Que são como caminhos barricados
Homens que querem passar pelos atalhos sufocados
Homens sulfatados por todos os destinos
Desempregados das suas vidas

Homens que são como a negação das estratégias
Que são como os esconderijos dos contrabandistas
Homens encarcerados abrindo-se com facas

Homens que são como danos irreparáveis
Homens que São sobreviventes vivos
Homens que são como sítios desviados
Do lugar"

Daniel Faria, "Poesia", Quasi Edições, 2003

quarta-feira, dezembro 17, 2003

Este será o lugar mais alto



Fernando Guimarães, com o livro "Lições de Trevas" e as Quasi Edições venceram o prémio da Fundação Luís Miguel Nava.
O "Entre Pedras, Palavras" comemora o momento a preceito:

"É desta maneira que se pode envelhecer. Um dia
disseram-nos como o tempo se parece com o último
dos ramos que estremece e vem ao nosso encontro.
Repara: ele está perto e consegue indicar-nos
o caminho que se deve seguir. Não há outro indício
para que possa alguém reconhecê-lo. A noite é que trazia
consigo o que se torna uma espécie de seiva. Devagar
procura a sua fragilidade. Este será o lugar mais alto."

Fernando Guimarães, "Lições de Trevas", Quasi Edições, 2002

terça-feira, dezembro 16, 2003

Coincidências

Já não bastava tê-lo encontrado poeta e ainda descubro que traduziu o mais belo poema de amor. Mais uma vez as há frases, frames, sílabas, takes, versos e enquadramentos no espaço de uma página.

Funeral Blues

"Parem todos os relógios, desliguem o telefone,
Impeçam o cão de latir com um osso enorme,
Silenciem os pianos e ao som abafado dos tambores
Tragam o caixão, deixem as carpideiras carpir as suas dores.

Deixem os aviões a gemerem aos cículos no céu,
Rabiscando no ar a mensagem Ele Morreu,
Ponham laços de crepe nas pombas brancas e porque não,
Deixem os sinaleiros usar luvas pretas de algodão.

Ele era o meu Norte, meu Sul, meu Este e Oeste,
Minha semana de trabalho, meu Domingo de festa
Meu meio-dia, minha noite, minha conversa, minha canção;
Pensei que o amor ia durar para sempre: que ilusão.

Tirem as estrelas daqui, uma a uma;
Desmantelem o sol e empacotem a lua;
Despejem o oceano e varram a floresta
Porque agora já nada de bom me resta."

W. H. Auden, tradução de João Luís Barreto Guimarães, in "Qual é a minha ou a tua língua?", Assírio e Alvim, 2003

Um país de poetas à beira mar

Que posso dizer, Aliete?
Responde alguém por mim.

"Importa que não haja ilusões sobre este ponto: é
que todos podemos morrer de sede em pleno mar."

João Miguel Fernandes Jorge

Entre Pedras uma sugestão

Carlos de Oliveira está a ser reeditado pela Assírio e Alvim, mas continua, infelizmente, muito pouco lido.
Como quase todos os poetas, ironicamente, num país dito de poetas.
Maria Aliete


"Localizar
na frágil espessura
do tempo,
que a linguagem
pôs
em vibração
o ponto morto
onde a velocidade
se fractura
e aí
determinar
com exactidão
o foco
do silêncio.
Algures
o poema sonha
o arquétipo
do voo
inutilmente
porque repete
apenas
o signo, o desenho
do Outono
aéreo
onde se perde a asa
quando vier
o instante
de voar
Caem
do céu calcário,
acordam flores
milénios depois,
rolam de verso
em verso
fechadas
como gotas,
e ouve-se
ao fim da página
um murmúrio
orvalhado."

Carlos Oliveira

segunda-feira, dezembro 15, 2003

Levanta-te e chora

Com uma rapidez que me deixou aturdido, dois anónimos penafidelenses reagiram, com comentários, ao post "Stand-up Tragedy".
Concordo com os dois.
Efectivamente uma Assembleia assim é um disparate.
Efectivamente há deputados que sofrem de verborreia complusiva-obssessiva.
Efectivamente roça a chatice.
E finalmente... Sim. Continuo a questionar-me sobre o porquê de continuar a aparecer a este conclave.
A resposta é simples há assuntos e problemas levantados por alguns, poucos, deputados municipais que se revestem do maior interesse. Quanto ao resto, reina a pobreza franciscana.
Há deputados que em vez de fazerem intervenções onde deixam escapar piadas, fazem piadas onde, às vezes, deixam escapar intervenções.
Há deputados que gostam tanto de se ouvir falar que não resistem a alongar a prosódia a limites inacreditáveis.
Há deputados que não sabem porque estão ali.
Há aqueles que rezam para que chegue aquele momento em que mandam levantar o pessoal fila-a-fila.
E finalmente há aqueles que não percebem nada "do que está escrito naquele maldito papel que lhes deram para ler na Assembleia Municipal".
Vencido pela vacuidade desisto a três horas do fim da contenda.
Solto o desabafo entre amigos.
Alguém gargalha: "- Deve ser tipo levanta-te e ri!
- Não. É mais tipo levanto-me e choro."

Qualquer um pode dar num serial killer

Hoje, em plena FNAC, duas jovens licenciadas saídas de um post do Pedro Mexia, passeavam dedos e olhos pelos livros da secção de poesia.
Afagavam o novíssimo Petrarca, acariciavam um volume do Régio, piscavam o olho à Ana Luísa Amaral, à Sophia e ao Daniel Faria.
De repente os dois pares de pupilas detiveram-se no topo da estante. Uma das jovens suspirou: "era mesmo isto que procurava!".
A outra anuiu a escolha e rematou: "ainda por cima é só frases."
Nas pequeninas mãozinhas jaziam "As palavras essenciais", de Paulo Coelho.
Dormisse ali uma moto-serra e ter-se-ia feito história na secção de poesia da FNAC

Stand-up tragedy

Uma Assembleia Municipal, em Penafiel, com quase 10 horas.

A Meias

Dois goles num café são suficientes para perceber com clareza as ilegalidades e negações do "Rés-do-chão" onde habita João Luís Barreto Guimarães.

"Bebo o meu café enquanto bebes
do meu café. Intriga-me que faças isso.
Se te posso pedir um
(se podes tomar um igual)
porque hás-de querer do meu ?
Que
não. Que não queres. Escuso
de pedir
que não queres. Então
começo
um cigarro e tu fumas do
meu cigarro dizes
"tenho quase a certeza de
não acabar um sozinha" por isso
fumas do meu. Dá-te
gozo esse roubar
de
leves goles furtivos
dá gozo participar
do prazer que eu possa ter
contigo
(e entre nós)
dá-se agora tudo
a meias."

João Luís Barreto Guimarães, in Rés-do-chão, Gótica, Lisboa, 2002

domingo, dezembro 14, 2003

Lembrar Albano Martins

Jorge Reis-Sá propôs e eu agradeço. Há listas assim, que nos fazem lembrar poemas.

"Horizontal
o mar, a mor
te. Vertical
o desejo."

Albano Martins

sexta-feira, dezembro 12, 2003

Entre Palavras Leitores

Quando supomos que escrevemos para um imenso vazio acabamos surpreendidos pelo eco da nossa voz no coração de amigos e de perfeitos desconhecidos.
Perfeitos desconhecidos não será uma expressão muito acertada, já que partilhamos um mesmo amor às palavras.
Aconteceu isso com a Maria Aliete que me enviou uma réplica ao meu último post. A partir deste momento já não somos desconhecidos, somos vizinhos nos versos de Vinicius e hoje trocamos um raminho de salsa.
Tal como o Abrupto, hoje temos um Entre Pedras, Palavras feito pelos seus leitores. Sabe bem escrever isso.
Obrigado Aliete, é sempre bem-vinda e pode trazer o Vinicius e outros amigos de rimas e versos brancos.

Amigos meus

"Ah, meus amigos, não vos deixeis morrer assim... O ano que passou levou tantos de vós e agora os que restam se puseram mais tristes; deixam-se, por vezes, pensativos, os olhos perdidos em ontem, lembrando os ingratos, os ecos de sua passagem; lembrando que irão morrer também e cometer a mesma ingratidão.
Ide ver vossos clínicos, vossos analistas, vossos macumbeiros, e tomai sol, tomai vento, tomai tento, amigos meus! – porque a Velha andou solta este último Bissexto e daqui a quatro anos sobrevirá mais um no Tempo e alguns dentre vós – eu próprio, quem sabe? – de tanto pensar na Última Viagem já estarão preparando os biscoitos para ela.
Eu me havia prometido não entrar este ano em curso – quando se comemora o 19640 aniversário de um judeu que acreditava na Igualdade e na justiça – de humor macabro ou ânimo pessimista. Anda tão coriácea esta República, tão difícil a vida, tão caros os gêneros, tão barato o amor que – pombas! – não há de ser a mim que hão de chamar ave de agouro. Eu creio, malgrado tudo, na vida generosa que está por aí; creio no amor e na amizade; nas mulheres em geral e na minha em particular; nas árvores ao sol e no canto da juriti; no uísque legítimo e na eficácia da aspirina contra os resfriados comuns. Sou um crente – e por que não o ser? A fé desentope as artérias; a descrença é que dá câncer.
Pelo bem que me quereis, amigos meus, não vos deixeis morrer. Comprai vossas varas, vossos anzóis, vossos molinetes, e andai à Barra em vossos fuscas a pescar, a pescar, amigos meus! – que se for para engodar a isca da morte, eu vos perdoarei de estardes matando peixinhos que não vos fizeram mal algum. Muni-vos também de bons cajados e perlustrai montanhas, parando para observar os gordos besouros a sugar o mel das flores inocentes, que desmaiam de prazer e logo renascem mais vivas, relubrificadas pela seiva da terra. Parai diante dos Véus-de-Noiva que se despencam virginais, dos altos rios, e ride ao vos sentirdes borrifados pelas brancas águas iluminadas pelo sol da serra. Respirai fundo, três vezes o cheiro dos eucaliptos, a exsudar saúde, e depois ponde-vos a andar, para frente e para cima, até vos sentirdes levemente taquicárdicos. Tomai então uma ducha fria e almoçai boa comida roceira, bem calçada por pirão de milho. O milho era o sustentáculo das civilizações índias do Pacífico, e possuía status divino, não vos esqueçais! Não abuseis da carne de porco, nem dos ovos, nem das frituras, nem das massas. Mantende, se tiverdes mais de cinqüenta anos, uma dieta relativa durante a semana a fim de que vos possais esbaldar nos domingos com aveludadas e opulentas feijoadas e moquecas, rabadas, cozidos, peixadas à moda, vatapás e quantos. Fazei de seis em seis meses um check-up para ver como andam vossas artérias, vosso coração, vosso figado.
E amai, amigos meus! Amai em tempo integral, nunca sacrificando ao exercício de outros deveres, este, sagrado, do amor. Amai e bebei uísque. Não digo que bebais em quantidades federais, mas quatro, cinco uísques por dia nunca fizeram mal a ninguém. Amai, porque nada melhor para a saúde que um amor correspondido.
Mas sobretudo não morrais, amigos meus!”

Vinicius de Moraes

terça-feira, dezembro 09, 2003

Procura-se um amigo

"Não precisa ser homem, basta ser humano, basta ter sentimentos, basta ter coração. Precisa saber falar e calar, sobretudo saber ouvir. Tem que gostar de poesia, de madrugada, de pássaro, de sol, da lua, do canto, dos ventos e das canções da brisa. Deve ter amor, um grande amor por alguém, ou então sentir falta de não ter esse amor.. Deve amar o próximo e respeitar a dor que os passantes levam consigo. Deve guardar segredo sem se sacrificar.

Não é preciso que seja de primeira mão, nem é imprescindível que seja de segunda mão. Pode já ter sido enganado, pois todos os amigos são enganados. Não é preciso que seja puro, nem que seja todo impuro, mas não deve ser vulgar. Deve ter um ideal e medo de perdê-lo e, no caso de assim não ser, deve sentir o grande vácuo que isso deixa. Tem que ter ressonâncias humanas, seu principal objetivo deve ser o de amigo. Deve sentir pena das pessoa tristes e compreender o imenso vazio dos solitários. Deve gostar de crianças e lastimar as que não puderam nascer.

Procura-se um amigo para gostar dos mesmos gostos, que se comova, quando chamado de amigo. Que saiba conversar de coisas simples, de orvalhos, de grandes chuvas e das recordações de infância. Precisa-se de um amigo para não se enlouquecer, para contar o que se viu de belo e triste durante o dia, dos anseios e das realizações, dos sonhos e da realidade. Deve gostar de ruas desertas, de poças de água e de caminhos molhados, de beira de estrada, de mato depois da chuva, de se deitar no capim.

Precisa-se de um amigo que diga que vale a pena viver, não porque a vida é bela, mas porque já se tem um amigo. Precisa-se de um amigo para se parar de chorar. Para não se viver debruçado no passado em busca de memórias perdidas. Que nos bata nos ombros sorrindo ou chorando, mas que nos chame de amigo, para ter-se a consciência de que ainda se vive."

Vinicius de Moraes

Sentes o aroma?

Frutificado pelo calor. Torrado quando este aumenta. Fervente na infusão da água. Invade o espaço com um intenso aroma.
O café prometido aguarda o correcto alinhamento das disponibilidades. Podes ficar certo de que não haverá espaço para grandes doçuras. Será como no princípio dos tempos, quente, negro e amargo. O café entre amigos é sempre assim. A sinceridade e coração aberto guardam tanto o calor como a amargura, o segredo está na distinção da composição do travo amargo. Podemos sentir apenas a rigidez do fel ou então o exotismo das madeiras, das especiarias e dos frutos silvestres.
Bebida em pequenos goles, que queimam os lábios, a amizade é saboreada ritual e sincopadamente.
Sabes que assim que tomado os corações vão acelerar, é nesse instante que se recentram as prioridades e nos lembramos do porquê desse café.

Sobral Centeno em Penafiel



"Cruzados, cabeças e talismãs" é o nome da exposição individual que Sobral Centeno inaugura sábado na Galeria OM, em Penafiel.
Membro destacado da famosa Escola do Porto - cidade onde nasceu, em 1948 - Sobral Centeno é um dos mais importantes valores da arte contemporânea nacional e europeia.
Muito apreciada no Brasil e na Alemanha a obra de Sobral Centeno volta a ser assaltada pelos cruzados que atravessaram o oceano.
Cruzados que trocaram o branco e a luz do Mediterrâneo, pela força cromática do Atlântico. Há vinho a escorrer pelos cálices, mercados exóticos, refeições partilhadas, há desejo, amor, conquista e um intenso cheiro a bazar.
Quadros onde a evocação de figuras míticas é marcante, um território onde a imaginação reina com um poder quase absoluto.
Cruzados e cavaleiros árabes com mil anos de história enchem paredes e inundam os espaços de um intenso aroma agri-doce.