terça-feira, janeiro 27, 2004

Na hora de pôr a mesa

"na hora de pôr a mesa, éramos cinco:
o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãs
e eu. depois, a minha irmã mais velha
casou-se. depois, a minha irmã mais nova
casou-se. depois, o meu pai morreu. hoje,
na hora de pôr a mesa, somos cinco,
menos a minha irmã mais velha que está
na casa dela, menos a minha irmã mais
nova que está na casa dela, menos o meu
pai, menos a minha mãe viuva. cada um
deles é um lugar vazio nesta mesa onde
como sozinho. mas irão estar sempre aqui.
na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco.
enquanto um de nós estiver vivo, seremos
sempre cinco."

José Luís Peixoto, "A criança em ruínas", Quasi Edições, 2001

2 anos



Há 2 anos a minha casa ficou mais escura

O beatle

Foi editado, recentemente, mais uma pérola do nacional-cançonetismo: "All you need is Lisboa".
Uma mão cheia de temas dos The Beatles em versões de artistas de reputado talento: Simone de Oliveira, Sheiks, Concha, etc.
Vem isto a propósito de uma das faixas do album interpretada pelo "Conjunto Sousa Pinto".
O tema escolhido por esta banda é, nada mais nada menos, que "Here There and Everywhere", isto é "Aqui Ali e em Todo o Lado".
Olhando para a actual política municipal penafidelense, pré-eleitoral, não podemos de deixar de olhar para este tema musical como uma belíssima metáfora.
Há já algum tempo que o conjunto se vai desmultiplicando em aparições "Aqui Ali e em Todo o Lado". Para muitos a hipótese Sousa Pinto para candidato à autarquia pelo PS é, sem margem para dúvidas, a melhor das soluções.
Por isso mesmo as sucessivas comitivas vão deixando no ar sorrisos à "Love Me Do", cumprimentos à " I Want to Hold Your Hand" e palavras à "All You Need is Love".
Para já ausculta-se o eleitorado, testam-se as ligações e tenta-se perceber a realidade dos terrenos que se pisam.
Estamos, por agora, entre o "Come Together" e o "With a Little Help from My Friends".
Não sabemos quanto tempo poderá durar este enamoramento não declarado, até porque o caminho que leva às próximas eleições é, para todos, "The Long and Winding Road".
Uma coisa é certa daqui para a frente tudo será bem mais animado e interessante, até porque as pedras têm de ser dispostas nos diferentes tabuleiros.
Quem cantará, na noite derradeira, "Ticket to Ride", é a questão.
A metáfora convenhamos que é curiosa, no entanto tem um "Mas". Esse "Mas" é apenas o facto de o número da faixa do Conjunto Sousa Pinto, no álbum mencionado, ser o 13.
Mas não vamos ser supersticiosos, até porque isso dá azar (já diziam os heróis do mar mas é outra música).

Oscares

Os meus oscarizados favoritos...



Mystic River, Sean Penn, Cidade de Deus e Ken Watanabe

segunda-feira, janeiro 26, 2004

Nem que o céu se tinja de negro

11

"hei-de um dia levar-te a ver o sol do qual
conheço todas as cores (amarelo etc) pensamos
que as coisas existem mas segunda-feira traz

linhas de voo à liberdade da imaginação. por
um instante pensei no sol como algo eterno
desconhecido mas um dia (digo) um dia algum

hei-de levar-te a ver o rio. fechamos os olhos
ao usual esquecemos a diferença mas alguém
sabe quantos quadros pintou Picasso ou Resende
ou Van Gogh? quanto pesa a torre dos Clérigos?

mas também: quantas são as cores do arco-íris?
a forma de todas as pedras? não há desculpa
para a rotina nem remédio para o ritual. hei-de
um dia levar-te a ver o sul o sol um dia"

João Luís Barreto Guimarães, "3", Gótica, 2001

...



Budapeste amanheceu a preto e branco

sexta-feira, janeiro 23, 2004

Futebol Clube...Venha Vindo

"Mas uma das grandes novidades, talvez por ser pioneira em Portugal, é a inclusão de um ponto nos estatutos que promete projectar o Penafiel para além do Vale do Sousa. Ou seja, caso os sócios aprovem, qualquer clube cuja denominação inicie por "Futebol Clube..." pode tornar-se numa filial do clube penafidelense."

In o Jogo, 23/01/2004

Eu acho isto uma delícia e desde já proponho que a a filial nº 1 seja o Futebol Clube do Porto. Daí para a frente será uma enchurrada, os clubes vão precipitar-se para os registos pedindo a alteração da identificação.
Um pouco por toda a Europa as agremiações reclamarão maioridade e exigirão a mudança de nome.
Ora cá está a revolução que se esperava, a lufada de ar fresco, nada no mundo será igual:

- Futebol Clube de Milão
- Futebol Clube de Real Madrid
- Futebol Clube de Boca Juniors

e para os mais descrentes...

- Futebol Clube de Paredes

Quanto à SAD que "nunca-lhes-passou-pela-cabeça-ser-constituída-e-é-meramente-uma-alucinação-de-jornalistas-com-pouco-que-fazer", lá vai andando serena e distraída pelo barulho das luzes.

A autópsia do amor



Nestes dias em que o corpo parece querer ceder num longo combate com um vírus gripal, reencontro a morte.
A morte corpórea, a morte moral, a morte do amor, a morte da esperança.
Quem não ler "Este é o meu corpo", de Filipa Melo, nunca perceberá que uma autópsia pode ser um acto de amor, que o bisturi pode ser empunhado com o carinho dos gestos tímidos.
O mapa das entranhas revela tudo quanto os olhos fazem por esconder.
O desenho de um visceral e quente amor pode ter as linhas de um corte, em Y, que parta do tórax, se una no abdómen e extinga na raíz púbica.
Este é o meu primeiro amor cortante.
A autópsia é o conhecimento de nós próprios. E o nosso amor também vai à faca.

segunda-feira, janeiro 19, 2004

A economia de esforço

É com lágrimas nos olhos que leio, repetidamente, este naco de prosa sobre Penafiel publicado no Diário Económico.
"Entre-os-Rios, a Casa do Gaiato e a Quinta da Aveleda têm uma coisa em comum - situam-se no concelho de Penafiel. Tal como os mosteiros de Paço de Sousa, onde se encontra sepultado Egas Moniz (até há bem pouco tempo o único prémio Nobel português), e o beneditino de Ustelo - tudo a cerca de 35 quilómetros do Porto e num concelho com 70 mil habitantes, na confluência entre os rios Douro e Tâmega."
Para os mais distraídos, entre eles a autora da "notícia", aqui ficam algumas informações:

- Não é este Egas Moniz que está sepultado em Paço de Sousa, mas sim este Egas Moniz.
-Quanto ao mosteiro beneditino, efectivamente existe, o mesmo não se poderá dizer da freguesia de Ustelo, confundida com a sua quase homónima Bustelo.

Que bom que é num jornal de referência

sexta-feira, janeiro 16, 2004

Fixação

Ao ler a imprensa local fico a saber que o candidato "quer fixar os jovens ao "torrão natal" e promover a agricultura". Enfim, já não bastava a hipótese de o ter como presidente e ainda por cima não podem fugir.

quinta-feira, janeiro 15, 2004

Pontual

O desconcerto cronométrico que vives
cruza o deslizar suave das horas
com a nervosa cadência dos segundos.
Povoado de esperas, habito essas ausências
certo de que o teu coração
nunca se atrasa.

O Bem Amado



Plagiando Dias Gomes eu digo: a minha dúvida é que não sei ainda se Portugal é uma grande Sucupira ou seu microcosmos.
De quando em vez, é bom recordar os programas de televisão que já fazem parte do nosso património colectivo.
Esta semana, uma notícia sobre a inauguração de uma sede de candidatura recordou-me o "Bem Amado".
Lá vi o "Odorico Paraguaçu" a prometer mundos e fundos em discursos a tresandar a mofo.
Em Sucupira morava um jornal, "A Trombeta", que bem podia ser liderado por um amigo meu, conhecido de outros tempos, jornalista de outras linhas.
Um dia, esse jornalista, o Neco, decide fazer uma entrevista a Odorico:

"NECO: Qual é a sua formação política?

ODORICO: Eu sou um partidário da democradura. Um regime que faz a conjuminância das merecedências da democracia com os talqualmentes da ditadura.

NECO: O senhor quer explicar melhor?!

ODORICO: Pois não. Na democracia o povo escolhe a gente, os governantes. na democradura, a gente escolhe o povo que vai escolher a gente."

Nascem flores perto de nós

Há flores que são como segredos bem guardados.
Esperamos ver as pétalas da Margarida em tímidos dedos.

quarta-feira, janeiro 14, 2004

...pero que las hay....hay!

No dia em que o nosso Primeiro passou por cá assaltaram-me o carro.
Que seja a bem do déficit.

terça-feira, janeiro 13, 2004

Eis que chega a Penafiel

Em dia de visita, a Penafiel, do nosso Primeiro, aqui fica um registo desse enorme cardume que por minutos o seguirá, esse "país engravatado todo o ano e a assoar-se na gravata por engano".

"Sigamos o Cherne!"

Depois de ver o filme "O Mundo do Silêncio" de Jacques Cousteau

"Sigamos o cherne, minha Amiga!
Desçamos ao fundo do desejo
Atrás de muito mais que a fantasia
E aceitemos, até, do cherne um beijo,
Senão já com amor, com alegria...

Em cada um de nós circula o cherne,
Quase sempre mentido e olvidado.
Em água silenciosa de passado
Circula o cherne: traído
Peixe recalcado...

Sigamos, pois, o cherne, antes que venha,
Já morto, boiar ao lume de água,
Nos olhos rasos de água,
Quando, mentido o cherne a vida inteira,
Não somos mais que solidão e mágoa..."

Alexandre O’Neill, "Poesias Completas", Assírio e Alvim

segunda-feira, janeiro 12, 2004

Lino na terra dos tomatinhos

Amarante prepara uma nova raça. Aprimorada ao longo de vários anos em concelho vizinho, a nova gesta ameaça tomar conta de Amarante.
Jamais os tomatinhos de S. Gonçalo conhecerão tamanho vigor, como no dia em que essa nova estirpe agarre as rédeas à beira Tâmega plantadas.
Bem vindos ao V Império .
Ninguém pára o Lino.

Teoria da Conspiração

Para os fãs da Teoria da Conspiração:

Nada do que é escrito neste blog é apagado!
Não aceitamos encomendas!

Comunidade, a urbana

Esta tarde nasce a primeira Comunidade Urbana, a do Vale do Sousa.
O primeiro ministro é a parteira de serviço e com sorriso mole, o do costume, receberá nos braços o nado.
Bem vinda seja aquela que sucede, bem vinda seja aquela que substitui o que nunca foi, bem vinda seja aquela cujo destino é o de sempre.
Nascida, para substituir a Associação de Municípios do Vale do Sousa, a novíssima Comunidade Urbana prepara-se para tornar uno um espaço sem unidade.
Nasce assim a Comunidade, uma geografia acidental e acidentada, quem bem podia ser "isto" que Luiz Pacheco descreve no seu livro "Comunidade" ou outra coisa qualquer.

"É um bicho poderoso, este, uma massa animal tentacular e voraz, adormecida agora, lançando em redor as suas pernas e braços, como um polvo, digo: um polvo excêntrico, sem cabeça central, sem ordenação certa (natural); um grande corpo disforme, respirando por várias bocas, repousando (abandonado) e dormindo, suspirando, gemendo. Choramingando, às vezes. Não está todo à vista, mas metido nas roupas, ou furando aos bocados fora delas. Parece (acho eu, parece) uma explosão que atingiu um grupo de gente parada e, agora, o que está ali são restos de corpos mutilados : uma pernita de criança, um braço nu sòzinho, um punho fechado (um adeus?... uma ameaça?...), um tronco mal coberto por uma camisa branca amarrotada. Ou seria, então, talvez, um desabamento súbito, uma avalanche de neve encardida, que nos cobriu a todos, ao acaso, aos bocados, e para ali ficámos, quietos e palpitando, à espera, quietos e confiantes, dum socorro improvável, cada vez mais (e as horas passam!) improvável, incerto, aguardando a luz da manhã, que chega sempre, que acaba sempre por chegar, para vivos e mortos, calados ou palrantes, ladinos ou soterrados, os que já desistiram da madrugada e os que, ainda, contra qualquer lógica, contra qualquer quantidade de esperança, confiam ainda e esperam."

Luiz Pacheco, "Comunidade", Contraponto, 1964

sábado, janeiro 10, 2004

Ri de quê?



Ontem terminei o dia com a compra de dois bilhetes para o "Último Samurai", num cinema de Penafiel.
Experiêncas anteriores deviam ter-me avisado dos riscos que corro ao ir a uma sala de cinema "generalista", numa sexta-feira à noite.
Mas a atracção pelo universo japonês, mais concretamente pelo universo samurai, toldou-me a memória.
Anos de convivência com Ogami Ito, da belíssima série de 28 volumes "Lone Wolf and Cub", que em bom tempo descobri, com Musashi da série "Vagabond", levaram-me a querer conhecer a história desse tal Nathan Algren.
Para quem ainda não ouviu falar do filme, diga-se que se trata da história de um oficial do exército norte-americano, que depois de aprisionado por um exército samurai, descobre e apaixona-se pela cultura do Japão feudal, do Japão de Edo e dos Shoguns.
Enquanto Tom Cruise descobria as maravilhas do sake, sashimi e do hara-kiri, eu descobria o penafiel-san.
O penafiel-san arrasta a sua gueisha e numa atitude premeditada decide que se vai divertir. independentemente da tensão a película. Ele decidiu divertir-se e é isso que vai fazer.
Por isso mesmo, é indiferente que na tela morram hordas de guerreiros, que as crianças chorem a perda do pai, olhos nos olhos com o carrasco. É indiferente. Eles decidiram que se iam divertir, por isso riem do princípio ao fim do filme.
A turba ululante, grita, atende o telemóvel, comunica aos berros entre a terceira e décima segunda fila, e devora alarvemente mãos cheias de pipocas.
O enredo é o menos importante. O importante é o estímulo visual, uma espécie de luz a piscar diante dos olhos. Pode ser a tela do cinema, a televisão lá de casa ou as luzes de um bar. Tem é de piscar e ser colorida.
Voltamos aos tempos em que os navegadores trocavam contas coloridas e espelhos por ouro ou marfim.
Hoje trocam-se pipocas e refrigerantes, por luzes a piscar. Tudo o resto é indiferente.
Eles riem, mas riem de quê?

sexta-feira, janeiro 09, 2004

Sociedade Anónima

Hoje, Miguel Sousa Tavares traduziu neste parágrafo, no Público, vários sentimentos há algum tempo auscultados por vários amigos.
É isto que sinto, é isto que penso.

"Não foi aí que nasceu o meu asco a esta "sociedade anónima" em que vivemos e que se alimenta de invejas e mediocridades, traduzidas nos boatos, nas cartas anónimas, na intriga e na maledicência cobarde, de que qualquer um pode ser vítima apenas porque outro o inveja ou não gosta dele."

Aos amigos, que sofrem e vão sofrer na pele os desmandos desta "sociedade anónima", digo: seguimos lutando.

Foi bom. É tudo.


Ontem, ao redor de Daniel Faria, fomos homens bem situados.
Um abraço Quasi editável para o Jorge Reis-Sá e Valter Hugo Mãe.

2004

Dizem que o ano já entrou.
Duvido.